domingo, 31 de maio de 2009

Mundo Imbecil


Prólogo

Que mundo imbecil, que mundo imbecil, que mundo imbecil. Não consigo pensar outra coisa. De verdade, como é imbecil. Tenho uma dor atroz nas costas, na coluna, nos músculos, nos ossos, no sangue. Não consigo nem ler, nem escrever, nem virar o pescoço. Bonito, combina com meu espírito velho de velho ranzinza. Afinal, o mundo é imbecil e não há porque não sê-lo. Levantaria da morte para dizê-lo. Ênfase na ênclise entusiasmada. Imbecil-cil-cil. Pois veja, pego um exemplo, e um exemplinho de nada, assim ó, titica de galinha. Desses que você dá, indignado, e todo mundo te olha atravessado, com vergonha de te mandar a merda, e diz que sim, é verdade. (O corretor ortográfico me diz que merda não existe, será que eu existo? Elton. Ufa, existo. (Ufa não existe.))

Ato I
Os filmes, na televisão. Eu sei, é pegar pesado, mas leia até o fim. Os filmes da televisão. Todos têm censura, um numerinho que aparece no canto da tela, subindo de par em par, 12, 14, 16, 18, além, claro, do L. Pensemos agora (enquanto ainda conseguimos) no cliente preferencial da censura atual: sexo. Em tempo, mundo imbecil. O filme L ideal tem atores e atrizes sexualmente desmotivantes e, imagino, em breve evitará animais pois estes andam pelados. Num 12 clássico pode-se ver um beijo, as mulheres podem usar batom e, com alguma ousadia alguma delas pode tocar o próprio cabelo. Num típico 14 começam as metáforas-para-o-ato-sexual, logicamente, no nível 1: dormir com. São autorizados decotes em V cujo fim não ultrapasse a latitude do começo dos mamilos. Homens podem figurar sem camisa. A relação sexual é insinuada quando um casal se beija e cai na cama (talvez grama) enquanto a câmera se levanta e filma o teto (talvez estrelas). Nos 16 as coisas começam a ficar quentes. Sim, é a hora dos peitinhos. São permitidos até 3 peitinhos cujos mamilos não estejam eriçados (há registros de até 5, 1 eriçado). O ato sexual é completo, ou seja, um homem e uma mulher (isso sempre sempre sempre) deitam e rolam na cama, semi-nus e vez ou outra um deles encosta no seio (dela) ou na bunda (dele). No plano moral, é a hora de se ouvir “fazer sexo”, pois estamos nas metáforas-para-o-ato-sexual de nível 2 . Enfim, chegamos aos 18. É nessa idade, quando já votamos há 2 anos, já trabalhamos há 2 anos, já podemos ser mesários de eleição, já podemos servir ao exército (e pegar em armas), já podemos ser presos, já podemos casar e já podemos ser nomeados em cargos eletivos, que, enfim, podemos ver uma vagina. Mas não exatameeeente uma vagina, e sim os pelos (muitos, muitos pelos) pubianos que indicam que ali, em algum lugar debaixo daquela camada de pudor, há um órgão sexual feminino. Tradicionalmente, pintos eram excluídos da exibição televisiva. Pintos simplesmente não entravam. Mas os tempos são outros, os valores se perderam, a família está desestruturada e eis que vez ou outra, numa média de 2 por ano, pintos dão o ar da graça na tevê. Não qualquer pinto, claro, tem que ser um bem molinho e de preferência minúsculo. Pinto duro dá cadeia e ponto final. Claro, chegamos também ao nível 3 das metáforas-para-o-ato-sexual, e vou te comer e foda-se são permitidos.

Ato II
Isso tudo sozinho já parece suficientemente ridículo, mas ah, o mundo é imbecil. Há um outro tema sobre o qual a censura exerce seu poder bélico: a violência. Resumidamente, é assim: L: briga de socos. 12: armas, tiros e morte. 14: armas tiros, morte, explosões, sangue e membros decepados. 16: armas de destuição em massa, metralhadoras, decapitações, muito sangue, centenas de mortos, explosões monstruosas. 18: tudo é permitido. Ah, mundo imbecil, mundo muito imbecil. Coloca todo tipo de restrições, interdições, místicas, paranóias, bulas papais e pelos pubianos sobre o corpo humano, a coisa mais democrática e durante muitas horas da vida de quase todo mundo também a mais divertida. Todo homem tem pinto e toda mulher tem peito, uns mais, outras menos, mas todos têm! Que diabo faz ser muito mais aceitável pessoas sendo mortas violenta e friamente que a exposição do corpo que todo mundo tem? Eu disse que era imbecil. E muito imbecil. Se não fosse, ohhhh, pedofilia, o filme da vida íntima dos jovens de 14 anos talvez tivesse censura 18, ou melhor, nem isso, pois, enfim, ereções... Ah, como é imbecil. O corpo é caro demais e a indústria da pornografia lucrativa demais para que a exibição pública das condições anatômicas naturais comuns a todos os humanos seja tolerada.

Epílogo
Desse mundo imbecil eu soube agora que em Santa Catarina foram recolhidos das escolas 130.000 livros, preciso repetir, CENTO E TRINTA MIL LIVROS (LIIIIVROOOS) do Cristóvão Tezza porque os entendidos em educação acharam que ele não tinha uma linguagem adequada para jovens do ensino médio. Linguagem chula. SIM, estavam achando que o Tezza iria ensinar palavrões para os inocentes adolescentes de dezesseis anos! E o pior, ele usou uma metáfora terrível para se referir ao órgão sexual feminino: pêssego! Ohhhh, pêssego não, isso já é demais!

quarta-feira, 27 de maio de 2009

Embalado a vácuo


Estou vazio. Meus dedos estão murchos, enrugados como se tivessem sido embebidos por cem mil anos na mais morninha água. Meu cérebro escorre pelo nariz, como ranho, com o ranho, como ranho. Torço com a força que eu não tenho meus pensamentos e só o que pinga miseravelmente é um nada sem dor e sem cor. Está aberta a temporada de caça-palavras, pois a estação do silêncio chegou. Por deus. Sou feliz por ter meus livros já escritos na estante.

sábado, 23 de maio de 2009

Anti-Hermes Silencioso


Estou encolhido num canto e meu coração bate como o de uma galinha. Espremido na esquina onde um rachado muro de concreto velho encontra a parede chapiscada de uma garagem estranha. Ouço o silêncio das televisões que gritam a novela das oito como que me jogando na cara que o dia morreu e me mandando dormir. No céu, meia dúzia de estrelas me olham com angústia. Estas estrelas que me viram nascer e que, malditas, me virão morrer; parecem rir da patética condenação ao patético que é ser inevitavelmente sozinho e ter que se esforçar pra não se mostrar uma evidente repetição. Estrelas que me viram nascer e que me virão morrer, que viram os homens antes de mim nascerem, até o primeiro, e testemunharão os próximos morrerem, até o último.

Carrego numa mão um pedaço de pedra, talvez um tijolo ou sobra de concreto. Seguro com violência, como se a pedra fosse a minha coragem e fosse um bicho arisco que não aceita ser preso. Sou uma criança, tenho os pés descalços e uma camiseta surrada. Tremo de frio pra não achar que é de medo. Mais uma vez, o silêncio, agora o dos passos de algum estranho caminhando junto ao muro. Meu coração não quer se calar e tenho que fechar a boca para que não escape, ele também. Num pulo, seguro o cimo quase com a ponta dos dedos, pra me levantar, vou dobrando os cotovelos e ralando os braços, o peito, a cara. Vejo que é uma pessoa, só poderia ser uma pessoa, mas não quero saber quem é. Estamos no breu, as estrelas ridículas são testemunhas tão passivas que não podem sequer iluminar a cena. Estou resoluto, em cima do muro. Atiro a pedra com violência, ouço um grito de dor, jogo-me ao chão como se não fosse eu, mas um saco de lixo fedido. Corro sem pensar e sem praonde, como um anti-hermes silencioso.

sábado, 16 de maio de 2009

A morte (é) premeditada

Naquele bar de velhos velhos penados, as almas eram pesadas. Só mais um sujo boteco numa rua imunda de uma cidade esquecida de um triste país num terceiro mundo qualquer. Nem as putas frequentam o lugar, não porque os velhos dali são velhos, pois velhos também anseiam gozar, mas porque são velhos de almas miseráveis e bolsos piores. Se uma por ali aparecia, era pra beber barato a própria miséria de ser uma puta velha sem valor no mercado dos prazeres carnais, tão dominado pela tristeza juvenil e até infantil dos peitinhos incipientes mas carnudos dos dezesseis anos. Ali ninguém a tocava, e se trepava era por misericórdia e era de graça.

Nesse bar se encontravam desgraçados, não pra lamentar qualquer coisa, se suas vidas eram horríveis, delas não se poderia fazer filmes ou livros. Não viveram grandes amores, dramas ou tragédias. Apenas viveram, meio a contragosto, sempre sem paixão. Encontraram na cachaça o asilo para a perseguição da vida compulsória. Não era a descrença nem um saber elevado nem as decepções que os levavam ali. Era uma miséria que sentiam e que não poderiam expressar porque não a conheciam. Estavam vivos e viver era melhor com álcool. Assim esqueciam que existiam.

Pouco conversavam, não havia muito a ser dito. E quando diziam, não iam longe. Discutiam mesquinharias da vida ordinária, que cidade fica mais perto de que cidade, o nome de uma rua, o ator daquela novela de 79. Ficavam nisso. Não havia televisão, não comiam. A mesa de sinuca era pra adolescentes que vinham e iam e nada mudavam. Não lamentavam nada. Não brigavam. Nada disso faria sentido pois não eram tristes - tristes eram suas vidas. Estavam lá porque eram obrigados a existir e o suicídio era algo em que nunca haviam pensado. Aliás, não havia porque fazer isso se no fim iriam morrer de qualquer forma.

Um dia o bar não abriu. Na porta, um bilhete. O chapinha, um dos ébrios, havia morrido. Alguma coisa no coração que os médicos não se preocuparam em descobrir o que era. Afinal, já estava morto. E se ainda vivo era um corpo sem quem o reclamasse, que seria morto? Seu funeral estava vazio. Os bêbados não foram. Acharam outro lugar onde beber. O dono do bar, que não era bêbado mas tinha a alma embriagada, aproveitou o pretexto e ficou em casa de cueca vendo televisão. Foi enterrado no túmulo da família. Não acharam uma foto pra colocar ao lado da de seus pais. Ficou pra depois. No dia seguinte, o bar abriu. Os bêbados ficaram felizes, puderam voltar. Falaram sobre o chapinha, lamentaram, ninguém chorou.

quinta-feira, 14 de maio de 2009

Patos nunca são cachorros

Vou centralizar neste blog algumas coisas que tenho escrito por aí. O que posto agora encontra-se num fotolog inativo e foi postado em 03 de março de 2006. Naquele momento fazia muito sentido pra mim. Eu precisava falar sobre mudança, transformação e também sobre a queda pra dentro que é atingir um objetivo e perceber a pequenêz de tudo. O texto eu faria bem diferente, hoje, mas vale a mensagem, ainda que um bocado piegas. Acho que foi a única fábula que escrevi. (em formato de versos)

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A quem não sabe matizar, resta a insânia

Patos nunca são cachorros

Um dia vi um pato
que queria ser cachorro
tentou latir
tentou bater o rabo
tentou até roer um osso
coitado, não tinha dentes
mas ele queria muito ser cachorro
seus amigos-patos lhe falavam:
ser cachorro é até bacana
mas agora tá difícil
mas o pato não ouvia
corria de bando em bando
procurando dar um jeito
"quero mesmo é ser cachorro"
era o que dizia
e não era um absurdo
nesse mundo as coisas mudam
mas não desse jeito
um dia ofereceram-lhe pêlos
"que feiura um pato peludo!"
não aceitou, afinal
queria mesmo era ser cachorro
e continuou com sua busca
não tardou, porém, ele cansou
"para um pato, ser cachorro é impossível"
e num negócio desleal
aceitou tornar-se rato
"isso está ao meu alcance"
uma vez rato, deixou os patos
seres sonhadores
e tocou sua nova vida
nos esgotos, nos lixos
mas um dia foi terrível
encontrou um cachorro
que faminto, quis comê-lo
chorando, contou que fora pato
e que quisera ser cachorro
o cão parou
e riu, riu, riu
"e porque não virou cachorro, afinal?"
perguntou ainda rindo
"aprendi que é impossível"
falou o rato, que era pato, que agora quase não era nada
o cachorro riu que até lacrimejou
"de onde tirastes essa idéia?"
o rato, orgulhoso de seu aprendizado respondeu
"da vida, ora bolas"
"não te enganes, caro rato" retrucou o cão
"foi de ti, e apenas de ti que tirastes esta conclusão"
o rato, que sofria com aquela sessão de tortura prolongada, gritou
como quem se acha sabedor de muita coisa
"é possível, por acaso, um pato virar cachorro?!?!"
o cachorro não respondeu
virou-se e mostrou sua pata traseira esquerda
o rato, sentindo a barriga congelar, balbuciou
"é uma pata... de pato"
o cão contou então sua história
que fora pato e que quisera ser cachorro
passou pelas mesmas dificuldades do agora-rato
sofreu, penou
aprendeu também a mesma lição
"patos não podem mesmo ser cachorros"
mas pensou um pouco mais
e percebeu
que para que pudesse ser cachorro
tinha, primeiro, que deixar de ser um pato
e aprendeu, então, a olhar e a ouvir
percebeu que os amigos-patos tinham muito a lhe ajudar
muitos queriam também deixar de ser pato
descobriram, juntos, o caminho para se chegar a ser cachorro
não sem muita luta
dia a dia pensavam
"o que faz de um cachorro, um cachorro?"
"cachorros latem", disse um
"cachorros têm dentes" disse outro
"cachorros têm pêlos" disse ainda um outro
conforme iam aprendendo
seus corpos iam se modificando
até o momento em que se tornaram cães
o rato então objetou-lhe
"não és um cão completo, tens uma pata ainda de pato!"
o cachorro (ou o que mais se parecia com um na ocasião) serenamente respondeu
"é bem verdade, meu nobre" e continuou
"mas é que aprendi muita coisa nesse caminho... nada foi em vão"
"primeiramente, só serei um cachorro quando aprender a ser cachorro"
"e isso são se pode saber quando acontecerá"
"entretanto, mais importante que isso foi outro aprendizado"
contou então sobre alguns de seus amigos
que ao tornarem-se cães completos, enlouqueceram
ao descobrirem que cachorros também sofrem
e têm problemas como qualquer bicho no mundo
o que o quase-cão aprendeu com isso?
foram estas as suas palavras:
"para quem foi pato, poder ser um cão é o paraíso
mas para quem já é cão, ser um cão pode ser um sofrimento
o melhor então a fazer é deixar de ser um pato
sem nunca chegar a ser um cachorro
porque quem pensa ser um
abre mão do mais importante
que é querer sempre ser um cão"
o que aconteceu com o rato-que-foi-pato não se sabe
o que eu sei é que não foi comido pelo quase-cão-que-já-foi-pato
mas se ele aprendeu algo com aquela situação
já deve ter deixado de ser um rato
porque para um pato que um dia quis ser cachorro
aceitar ser só um rato é muito pouco e muito fácil
é patético

quinta-feira, 7 de maio de 2009

Da epidemia e do sangue quente


Que surpresa boa saber que tanta gente leu e gostou do último post. Levo todos com muita estima. Como eu disse a uma pessoa que comentou ter lido o texto sobre o domingo, acho que se eu sobreviver à minha própria vida, lá no finzinho, no crepúsculo da existência, quando a luz da consciência se transformar num lusco-fusco efêmero, triste e lindo, vou me desfazer em memórias. Pois se aos vinte e quatro já as tenho com tanto apreço, que dirá aos oitenta (e que os deuses me permitam tal graça!). Entretanto fiquei um pouco preocupado.

É quente o sangue que oxigena este cérebro e estas mãos que lhes escrevem. Carrego ainda o ímpeto da juventude - que alguns carregam para sempre. Minha urgência de escrever nem sempre é de contemplação. Às vezes, preciso mesmo transcrever um sentimento colérico. Mas claro, nada é a toa. Acredito muito que uma certa raiva, uma revolta, são sentimentos de quem ama. É um estilo de amor, certo, tipico daqueles que, como eu, têm no coração um pulsar quente e violento. Amor que não é melhor nem pior que outros amores, é apenas o único jeito de amar a estes possível. Talvez um pouco trágico, encampo cruzadas contra os problemas mais insignificantes - talvez os elevo, assim, quase à categoria de males da humanidade. Mas isso é tão somente porque eu amo, e não falo só de mim, mas a partir de mim, dos milhões como eu. Discuto bem mais do que eu gostaria com a minha companheira, mas isso é apenas porque a amo absurdamente. E ela sabe que se um dia eu me calar, será o fatídico sinal de que meu amor virou brasa, ou pior, fez-se já em cinzas.

Mas por que este confessional e confuso prólogo? Com sinceridade, não há um porque. Apenas lembrei disso pois na segunda metade da semana passada nós todos começamos a ser bombardeados pela televisão com notícias sobre uma tal gripe suína. Logo no primeiro dia já pensei, pronto, após ter morrido de aids, ebola, gripe aviária, bactéria legal, protozoário assassino, terei a honra de morrer de gripe suína. Com a dignidade, aliás, de quem uma vez desencarnado, percorrerá os mundos em seu galante traje de espírito de porco. É brincadeira... Nossa sociedade tem um imenso sentimento de culpa por existir. Desde os mais remotos tempos olhamos para o céu nos perguntando quando a brincadeiria iria acabar, quando Ele, o dono da bola, viria tomá-la de volta. Inventamos fins do mundo que, ao não se realizarem, se renovam na expectativa de novos fins do mundo. Viver é bom demais para ser verdade e seremos castigados. A mídia sabe disso. E sabe mais, que além dessa paranóia apocaliptica, temos historicamente fatos preocupantes, como a peste negra que dizimou 1/3 da população européia ou a gripe espanhola que vitimou 60 milhões de pessoas. Isso torna o medo a mercadoria mais vendida no mundo. Para além da já conhecida "teologia do cagaço" que manteve a igreja católica medieval em pé, a indústria do medo vende muitos remédios e muito, muito jornal. E foi isso que fizeram. O curto verão da gripe suína, aka H1N1, aka influenza a, durou uma semana. Hoje já suspeitam o que sempre souberam, que a terrível, letal, mortal, cruel, devastadora, genocida e apocalíptica gripe não passa de uma... gripe. Uma gripe mais forte, é verdade, mas uma gripe. E com que sarro vi matérias e matérias nos jornais sobre como 'identificar sintomas da gripe suína'. Dor de cabeça, febre, dor nos músculos, articulações... Será possível que acompanhando o homem desde seu surgimento ainda não sabemos identificar os sintomas de uma gripe?! Dir-se-á que, ora, uma gripe foi a gripe espanhola e fez o estrago que fez. Pois bem, em 1918 morria-se de apendicite (e as cirurgias eram feitas sem anestesia, com éter!). Além do mais, algo que em incomoda muito é o fato de saber que morre-se muito ainda hoje de doenças completamente sem graça. Não vendem mais jornal. São as feias e bobas cólera, malária, febre amarela... e a fome. Ah, se a inanição fosse contagiosa... Enfim, agora já começo a chover no molhado. As notícias são cada vez menores e mais raras. A maior vítima disso tudo até agora foi a liberdade. Pois muito obedientemente fechou-se um hotel, um país, uma planeta. Nos mais remotos lugares, pessoas pacificamente aceitaram o medo e medidas cautelares. O abraço foi proibido. Daqui a amanhã, numa nova devastadora epidemia de uma semana, talvez proibam o sorriso. Por fim, um dia chegará em que provarão os malefícios clínicos de se pensar.