segunda-feira, 17 de dezembro de 2012

Sem encanto

Não sei se acontece com todo mundo, mas frequentemente me pego afundando na ideia de que a vida, depois de superada a adolescência e conforme o tempo avança, vai se tornando uma busca cada vez mais desiludida de (re)viver experiências iniciáticas. Não que nasçamos assim, mas é assim que vamos nos construindo. Os beijos correntes já não carregam mais qualquer lembrança daqueles remotos primeiros beijos, precedidos que eram por tremedeira, dor de barriga, sudorese, práticas ensaísticas heterodoxas e, algumas vezes, até pequenos seminários que os amigos iniciados promoviam. Passar no vestibular, perder os cabelos, ser sujo de tinta e porcarias a go-go, beber até a amnésia e passar a semana sorrindo como bobo - isso só acontece na primeira faculdade, acredite em mim. Aquele livro que você começou a ler crendo que fazia apenas isso - lia um livro - e que terminou perplexo, atônito, extasiado, envergonhado por ter até ali achado que livros estavam mais próximos de bulas de remédio que da energia atômica, que podem ser fonte de energia inesgotável ou promover a aniquilação absoluta; esse livro, caro leitor, você já leu e não adianta reler. Mission accomplished.

A história se repete como tragédia e depois como farsa. É o que dizem que Marx disse. Pro resto da tua vida, as feijoadas serão mais ralas, os natais menos esperados, as viagens mais enfadonhas, as festas mais repetitivas, as cervejas mais empapuçantes, as surpresas menos surpreendentes, as músicas mais obscenas, chega um dia que parece que todos os strogonoffs do planeta são feitos de acém. Mas você não desiste. Vai buscar a experiência perdida no delírio esnobe do consumo de alto padrão ou na ideação bonselvageana da originalidade esquecida. Feijoada gourmet ou na comunidade, acompanhada do verdadeiro samba de raíz (nada desses pagodes atuais). Mochilão pelas entranhas da América do Sul ou réveillon em Paris. Aí você se cansa dessa busca insólita e vai procurar novas experiências. Budismo, bicicleta, aeromodelismo, bronzeamento artificial, montanhismo, mandarim, fotografia, cupcake, sul de Minas, HBO, android, rivotril, prozac, fluoxetina... E então a busca da experiência se transforma em experiência da busca. Você não pensa mais no que procura. Você apenas procura. Sociedade quente. Império do devir. Que grande arapuca.