sexta-feira, 8 de dezembro de 2006
domingo, 22 de outubro de 2006
idiossincrático
eu sou a frase interrompida na metade e nunca mais continuada
sou a palavra envergonhada
esquecida, proibida ou desdenhada
eu sou o delírio do quase-sono, tão surreal e tão volátil
sou o segundo de distração
que dura horas
eu sou o medo que eu sinto a todo instante de ter esquecido
uma chave, um recado, uma vida
eu sou o cansaço que me domina ao fim do dia
sou a raiva, o ódio e o desdém
eu sou o vício mais secreto que eu tenho
que me alivia, que me domina e me corrompe
eu sou a humilhação de quem é mal julgado
não me defendo, não me explico, eu me retiro
eu sou o pensamento que vai longe, muito longe, e que se perde
sou a confusão que faço disso
eu sou o sono que me trai diariamente
sou a fraqueza
de quem não faz o que queria
eu sou o erro mais singelo que eu cometo
sou também o mais grotesco e o mais fatal
eu sou um momento perdido no tempo
sou um hiato, parado, inútil
eu sou a mistura que eu faço das coisas
sou o conceito que eu crio pra mim
sou o prazer que eu sinto com isso
eu sou a busca que eu faço há anos
sou essa estranha linguagem estética, mística e incerta
eu sou a vida ascética que planejo pra mim
mas mais do que isso
sou o fracasso
pois sou a vida mundana que eu tenho
eu sou o futuro que tenho à frente
uma parede que me fecha os olhos
um atalho que me prende as pernas
eu sou o sonho da queda
sou a vertigem, a reminiscência mais animal, sou meu instinto
eu sou o ato falho
eu sou a deixa que e a vida me deu e que eu deixei passar
e o que eu não sou
o resto
disso tudo que eu sou
são só bobagens
que eu esqueci de esquecer
ou que eu errei errado
pois pra mim, não sou o que sou pros outros nem o que os outros são pra mim
não há virtudes
sou só a infinitésima parte de um projeto irrealizável
sou apenas mais uma tentativa
sou tudo aquilo que me torne humano
segunda-feira, 25 de setembro de 2006
A noite
Ouvi um barulho no meio da noite e acordei. Estava tudo escuro, não conseguia enxergar nada. Levantei da cama tomando cuidado para não tropeçar nem pisar em cima de nenhuma das coisas que, pelo chão, atravancam o caminho entre a cama e o interruptor. Tateando a parede segui até o local onde fica este botãozinho - que junto com a televisão, o carro e as filas, consitui o grande legado da nossa sociedade ao gênero humano. Encontrei. Com a palma da mão aberta, golpeei levemente e ouvi o clác habitual. Nada aconteceu. Essas coisas são fosforecentes, ou fluorecentes, mas de nada adianta, pois brilham por menos de um minuto, ou seja, quando sua memória ainda é capaz de dizer onde elas estão (aliás, fósforo e fluor, que moram na tabela periódica dos elementos, também fazem parte do noso patrimônio intelectual, o primeiro acende cigarros e o segundo as crianças pobres são obrigadas a gargarejar nas escolas públicas - o gosto é horrível). Mesmo tendo um polegar opositor capaz de fazer movimento de pinça, fiz minha segunda tentativa usando o indicador, como um orangotango seria capaz de fazer (já é melhor que a patinha inteira, feito um gato, como na primeira). Novamente nada aconteceu. Embora o clác fosse audível, a luz não acendia. Algo estava errado, afinal de contas, o indicador tem o poder de atribuir veracidade ao mundo material (com que dedo você mexeu, bem de levezinho, no seu primeiro cocô de cavalo ? (seu não, no primeiro que você viu)). A lâmpada deve ter queimado durante a noite, pensei (teve a morte mais desejada da nossa sociedade, morreu dormindo, aliás, que vergonha. Enquanto em outras sociedade as pessoas desejam morrer lutando, sendo sacrificadas no solstício de verão, ou trabalhando, nós queremos morrer dormindo, medíocre e individual como tudo em nossa vida.). Agora eu tinha duas opções, ou voltava num pulo para a cama ou procurava outro interruptor. Merda, preferia nem ter levantado. Pisando em ovos (óculos, chaves, livros, naftalinas e bolachas) caminhei até o corredor onde tem uma lâmpada que deveria funcionar. Deveria, mas não funcionou, pois a embora o indicador rijo e o clác, clác habitual, nada de luz (essa lâmpada está sob um lustre de vidro branco, daqueles que vira cemitério de mosquito, tão feio que mesmo no breu total eu era capaz de vê-lo lá em cima, ostensivo, digno como uma testemunha da história). Legal, agora eu poderia continuar caminhando até a sala (e no caminho, tropeçar e bater com o mindinho direito na estante da sala, como tem acontecido nos últimos treze anos) ou voltar para a cama (não é todo dia que temos uma segunda chance). Resolvi voltar a dormir, muito embora o sono já estivesse longe. Fazendo o caminho de volta, tentando pisar mais ou menos nos mesmos lugares cheguei até o quarto. Dane-se o barulho. Novamente tateando a parede, a partir da porta a cama deveria estar a dois passos medrosos (aquele curtinho que damos no escuro). Um dois e... nada. Tá bom, três. Nada. Cadê a cama que estava aqui ? (morar sozinho me deixou esquizofrênico, habituei-me a fazer perguntas retóricas, querendo fazer piada pra mim mesmo). Dei mais um passo, agora largo, na esperança de que minha canela encontrasse a cama antes que eu (afinal, junto com os dedos dos pés, as canelas estão para os humanos no escuro como os focinhos estão para os cães). Nada de cama. Novamente algo errado. Como não moro no palácio de Versalhes, meu quarto é diminuto. Eu já deveria ter me espatifado contra a parede, mesmo sem cama. Continuei caminhando, seguindo a parede. Quatro, cinco, seis, sete passos e... chão! (aliás, quantas vezes você já escreveu a palavra chão? Eu, pouquíssimas. Acho que já escrevi mais "não obstante" do que chão, não obstante costume falar muito mais (e pisar mais) chão do que "não obstante".) Tirei a mão da parede e comecei a andar, já sem medo de tropeçar ou pisar em algo. Dava passos largos, acelerei meu andar. A situação já tinha rompido todas as fronteiras do compreensível. Eu, dentro do meu quarto, tinha caminhado lejos e não chegava a lugar algum. A escuridão ainda era absoluta. Então comecei a correr, correr, correr, correr. Agora eu era um cão. Corria por um vasto gramado atrás das aves que pousavam para procurar por minhocas. Um céu lindo me cobria, com um azul intenso contrastado pela alvura de delicadas nuvens. Sempre que eu me aproximava os pássaros levantavam voô com toda a elegância e me faziam sentir um desesperado, caindo com o focinho no chão (parecia ser primavera, pois a grama, daquelas com folhas grandes e grossas, estava molhada. Por baixo dela, o chão (novamente ele) de terra bem escura, na verdade preta, estava também úmido). Há algum tempo eu passei a admirar a elegância das aves. É fantástico o modo como alternam entre seres terrestres, seja caminhando e rebolando como os albatrozes, seja com o passinho-de-modelo dos quero-queros, para seres voadores, fazendo inveja aos que estão presos ao chão (sim!). Mas isso foi antes de eu ser um cão. Agora das aves eu só queria a coxa e sobre-coxa e, quem sabe, a coxinha da asa. Corria de lá pra cá, tentando abocanhar alguma ave desatenta (a propósito, eu era um labrador, como o Ted). Foi quando eu vi uma andorinha. Ela estava solitária, com um andar melancólico de quem não tem destino. Olhava com muito desprezo as outras aves desesperadas em busca de um repasto. Embora uma andorinha (enfim, poderia engolí-la sem mastigar), eu estava disposto a fazê-la minha. Ela estava a uns 200 metros de distância (claro, eu era um cachorro). Alinhei-me, agachei, contraí meus musculos, enchi os pulmões de ar e parti. Corri mais do que nunca, na trajetória, dois pardais cruzaram a minha frente a uma distância que poderia alcançar com um torcer do pescoço. Mas naquele momento meu destino era a andorinha. Nenhuma outra coisa me saciaria senão aquela doce ave. 100 metros e ela continuava lá, distraída como quem espera a vida passar (andorinhas não tem leis contra a vadiagem, bares ou televisões). A 50 metros eu já sentia sua carne presa entre meus molares. Corria, corria, corria. Agora eu era a andorinha. Fazia reflexões sobre a miséria existencial, sobre o ser-em-si, o eterno vir-a-ser e essas coisas que pensa toda andorinha. Olhei no chão e senti asco ao ver metade de uma minhoca, provavelmente parcialmente devorada por uma de minhas congêneres (desde que me tornei vegan jamais consegui olhar tranquilamente a comida animal. Agora eu viva a me alimentar de soja deixada para trás pelos caminhões, especialmente o farelo, conseguindo assim todo o apport protéico necessário.). Ouvi passos apressados e vi um cão, babando, com um olhar obstinado vindo em minha direção. Com certeza era um infeliz carnivoro, que, não fosse por isso poderia estar vindo me cumprimentar ou mesmo me convidar para um saral de poesias. Mas ele vinha me comer. Lamentei ter de abandonar aquele pedacinho de grama tão quentinho (raro naqueles dias frios, e só possível por ser um pedaço de terra mais seca). Placidamente, fiquei nas pontas dos pés, abri as asas e levantei voô. Tive tempo de olhar para baixo e ver o estranho cão (que até parecia simpático) esborrachar-se contra o chão. Voei sem rumo por algum tempo. Estava me sentindo leve naquele dia e precisava de algo que desse significado a minha vida. Me sentida capaz de coisas grandes. Nada aparecia e eu me sentia angustiado (isso, logicamente, acabava com a leveza do dia). Decidi fazer a única coisa que, embora fizesse diariamente, me dava prazer: contemplar (ser um pássaro é o sonho de todo voyeur, e eu era um pássaro voyeur!). Voei, voei, voei e me encostei sobre um muro que dava vista para o interior de um quarto. Lá dentro, vi um jovem deitado em sua cama, dormindo o que deveria ser sua ultima hora de sono do dia. Ele tinha uma ótima expressão. Era leve como eu me sentia, mas não tinha qualquer sinal de angústia subjacente. Era pleno. Ao seu lado, no chão, vários objetos, alguns caídos, outros apenas largados. Reconheci um desses objetos: um relógio. De repente, senti algo estranho. Não conseguia tirar os olhos daquele objeto, cujos ponteiros, indefectíveis, faziam sua marcha regular cujo destino é a própria marcha. Alguma coisa iria acontecer. Sentia-me mal, desconfortável. A situação beirava o insuportável, algo iria acontecer, algo precisava acontecer. O universo estava parindo. Então o despertador tocou. Eu acordo, abro os olhos, vejo um passarinho que estava parado sair voando. A partir dali seriam 30 minutos para me humanizar, 30 minutos me deslocando sem me mexer, 4 horas para oscilar entre satisfação e desesperança, 2 horas para comer e esperar, 30 minutos para andar, 4 horas para me desmoralizar, novamente 30 minutos para andar, mais 20 para esperar, 30 minutos devolta me deslocando sem me mexer (agora em pé, talvez), 40 minutos para preparar comida e comer, 20 minutos para emails e coisas inúteis. O resto do dia para fazer o outro resto do dia ter algum significado.
segunda-feira, 11 de setembro de 2006
Space Oddity
Odisséia Espacial - David Bowie
Base Terrestre para Major Tom
Base Terrestre para Major Tom
Pegue (ou tome) suas pílulas de proteínas e coloque seu capacete
Base Terrestre para Major Tom
Começando a contagem regressiva, motores ligados
Dê a partida e que Deus lhe proteja (literalmente: que o amor de Deus esteja contigo)
Dez, Nove, Oito, Sete, Seis, Cinco, Quatro, Três, Dois, Um, Lançar!
Aqui é a Base Terrestre para Major Tom
Você de fato fez uma proeza
E os jornais querem saber que camiseras você veste
Agora é a hora de deixar a capsula, se você quiser
"Aqui é o Major Tom para a Base Terrestre
Estou caminhando para a porta
E eu estou flutuando de um jeito curioso
E hoje as estrelas parecem muito diferentes
Daqui
Estou sentado em uma lata (velha?)
Muito acima do mundo
O Planeta Terra é azul
E não há nada que eu possa fazer (em inglês isso rima..:)
Embora eu tenha passado por cem mil milhas
Estou me sentindo muito igual (ou algo assim)
E eu acho que minha nave espacial sabe que rumos deve tomar
Falem para a minha esposa que eu amo demais, ela sabe"
Base Terrestre para Major Tom
Seus circuitos estão em curto, há algo errado
Você pode me ouvir, Major Tom?
Você pode me ouvir, Major Tom?
Você pode me ouvir, Major Tom?
Você pode...
"Aqui estou eu orbitando minha lata (voadora? velha?)
Muito acima da Lua
O Planeta Terra é azul
E não há nada que eu possa fazer."
sábado, 9 de setembro de 2006
Existo
* * *
* * *
Space Oddity, por David Bowie
Ground Control to Major Tom
Ground Control to Major Tom
Take your protein pills and put your helmet on
Ground Control to Major Tom
Commencing countdown, engines on
Check ignition and may God's love be with you
Ten, Nine, Eight, Seven, Six, Five, Four, Three, Two, One, Liftoff
His is Ground Control to Major Tom
You've really made the grade
And the papers want to know whose shirts you wear
Now it's time to leave the capsule if you dare
"This is Major Tom to Ground Control
I'm stepping through the door
And I'm floating in a most peculiar way
And the stars look very different today
For here
Am I sitting in a tin can
Far above the world
Planet Earth is blue
And there's nothing I can do
Though I'm past one hundred thousand miles
I'm feeling very still
And I think my spaceship knows which way to go
Tell my wife I love her very much she knows"
Ground Control to Major Tom
Your circuit's dead, there's something wrong
Can you hear me, Major Tom?
Can you hear me, Major Tom?
Can you hear me, Major Tom?
Can you....
"Here am I floating round my tin can
Far above the Moon
Planet Earth is blue
And there's nothing I can do."
sábado, 15 de julho de 2006
Vocação?
Sempre fico imaginando que há em mim algo grandioso a ser descoberto. Alguma capacidade especial, uma especialidade que me torne singular entre milhões. Essa virtude, quando descoberta, faria com que minha vida enfim passasse do devaneio à realização. Mudaria minha maneira de ver o mundo, me traria respostas. Mas onde estaria ela? Seria a arte? Mas que arte? Artes cênicas, plásticas, visuais? Seria a arte da palavra? Que tal música? Mas música erudita, folclórica, instrumental, pop, eletrônica ou world? Bach, Gil ou Mc Serginho? Ou seria então minha virtude a engenharia? Serei eu um grandioso engenheiro civil a ser descoberto? E por que não a engenharia mecânica, elétrica, química, de alimentos, de tecidos, de concreto, de arbustos ou de banquinhos? Serei eu o novo Sócrates a re-revolucionar a filosofia? Ou então serei eu a grande potencialidade política para resolver os problemas do Brasil? Serei eu o maior biólogo de todos os tempos em stand by? Conhecedor dos Mares, como Jacques Costeau? O Novo Darwin? Ou então minha vocação seria a Física? Arquimedes pós-moderno? Einstein pós-punk? Serei eu um pesquisador com potencial para desenvolver o fármaco da cura do câncer? Ou serei eu um atleta? Essa hipótese é assombrosa. Quando era novinho, sonhava em ser jogador de futebol, como todos. Essa vocação é uma das poucas que pude verificar na empiria não possuir. Mas será que joguei volley o suficiente na escola? E basquete? Terei eu acertado ao desistir tão precocemente da natação? E o desleixo com os treinos de xadrez, me terão rendido o anonimato eterno? Seria eu o novo Kasparov a derrotar o Deep Blue? Será que me dediquei como devia ao tênis de mesa? Ou então, será que a falta de incentivo à pratica do atletismo, que eu tanto gostava, terá ocultado do mundo o sucessor do Ben Johnson? Badmington, Pólo, Pólo Aquático, Golfe, Baseball, Rugby, Tênis, Squash, Ciclismo, Triathlon, Pentatlo, Capoeira, Judô, Muay Thai, Ginástica Olímpica ou Artistica, Salto Ornamental e tantos outros esportes que eu nunca pratiquei. Estará em algum deles a porta do meu futuro que eu nunca abrirei? Esse é o meu grande medo. Nunca desmontei um motor, pintei um quadro, fiz um suéter ou uma cerâmica. Estarei eu no caminho errado? Tenho uma convicção estranha de que todos nascem com um domínio. Ninguém, no entanto, nasce sabendo onde ele está. Alguns parecem o encontrar, pela extrema competência com que desenvolvem suas atividades: Shakespeare, Napoleão, Lévi-Strauss e Zidane. Que seria de nós se Shakespeare fosse militar e Napoleão escritor? Lévi-Strauss jogador de futebol e Zidane antropólogo? Essas excepcionalidades me fazem acreditar mesmo é que a maioria das pessoas nasce vive e morre em domínio alheio. Afinal, o que define a atividade que uma pessoa exercerá durante a vida é algo puramente contingencial: a situação financeira, o local de nascimento, uma amizade, um amor, um professor. É claro que nessa hora a sociedade cai com todo o seu peso sobre essas escolhas. Um jovem norueguês não se descobrirá xamã como dificilmente um pescador do Amparo se descobrirá engenheiro nuclear. Nesse caso a própria sociedade poderia ser vista como "contingencial". No entanto, é impossível dizer o que há do individuo além do território da sociedade que o comporta. De qualquer forma, o mar de possibilidades vislumbrado por mim, mesmo na esfera das atividades da nossa sociedade, é suficiente para solapar qualquer otimismo. Será que não bastasse ser um intelectual, será preciso ser um cientista, mais que cientista, um físico, mais que físico, um físico nuclear, mais que físico nuclear, especialista no átomo, ou ainda além, especialista no próton, mais que isso, será que é preciso ser especialista no movimento da direita para a esquera de um quárk para se encontrar vocacionalmente ou será isso justamente o contrário? Será a especialização uma forma de se apropriar de um domínio que não é seu por nascimento, apenas por exclusão de qualquer outro possível dono? Então, como se encontrar? Será preciso experimentar todas as possibilidades? Se assim for, nossa vida é uma piada miserável. Acaso as genialidades são construídas conjunturalmente? Bem provável, o que não muda a idéa de que há um campo especial de desenvolvimento das potencialidades de cada pessoa. Nos séculos XVIII e XIX, alguns pensadores como Saint-Simon e especialmente Charles Fourier sonharam com um mundo de equidade em que todos descobririam naturalmente suas vocações espontâneas e o mundo as aceitaria. É a teoria de que há uma justa e natural distribuição das vocações no mundo. Diferente da arbitrária distribuição que cria milhares de médicos e advogados 'por vocação' e tão poucos que sonham em ser lixeiros. Não por acaso foram chamados de utópicos. Mas independente da insignia que lhes apregoam, é interessante pensar num mundo assim. Um mundo em que a plena realização não se encontrará escondida através de uma hiperclassificação das atividades. (texto violentamente interrompido pela perda de motivação)
sábado, 1 de julho de 2006
quarta-feira, 14 de junho de 2006
Coisas
Assim sendo, imaginemos que estamos no kula e, após ter recebido um belo soulava, e não tendo ainda um mwali a autura para retribuir, concedo-lhes uma pequena dádiva musical (como sempre) para sinalizar minhas intenções de continuar no circuito afetivo dos que me lêem.
Stockolm Syndrome é um nome interessante para aquelas situações em que já não sabemos "pra onde vamos, de onde viemos". E yo la tengo, claro, é fantástico.
Yo La Tengo - Stockholm Syndrome
What's the matter, why don't you answer
What's the matter with me
Cause it's so hard to be
Free and easy, we'll disappear completely
Hardly as I've known it's glad
You're heart is broken, and the doors are open
As you're hoping to be
There's brighter places to see
Hands need warning, early in the morning
Hardly as I've known a surprise
No, don't warn me
I know it's wrong, but I swear it won't take long
And I know, you know,
It makes me sigh; I do believe in love
Another season, but the same old feelings
Another reason could be
I'm tired of aching, summer's what you make it
But I'll believe what I want to believe
domingo, 30 de abril de 2006
Domingo
O Domingo é um passo para a nostalgia. Estava eu fugindo às minhas obrigações, revirando arquivos e fotografias antigas, quando começo a pensar sobre esse inexorável peso que nos cai às costas chamado tempo. Quando era pequeno, diferente das outras crianças, não queria crescer. Ser adulto nunca me atraiu. Desejava mesmo era poder ser criança pra sempre. Não sei o que me fez antever tão precocemente a angústia da vida adulta. Mesmo quando a mudança era inevitável, não me apressei. Não esperei os dezoito anos para poder sair e não ser barrado nos bares. Não fiquei ansioso para tirar a carteira de motorista. Nunca "não vi a hora" de trabalhar e "ter meu próprio dinheiro". O tempo pra mim passa com sofrimento. Por regra, prefiro o ontem. Não está presente nessa afirmação algum tipo de lamento ou desgosto. Geralmente recebo o presente com satisfação e mesmo alguma devoção. Ele veio, preciso tê-lo. Apenas preferia que não chegasse. Essas minhas reflexões são comuns, e hoje pareciam não levar a lugar algum. De fato não levariam se eu não tivesse, por um instante lembrado de algo. Pode parecer estranho, caxias e até "calouresco" utilizar os estudos em reflexões sobre a própria vida, mas isso aconteceu. Lembrei de algo que estava lendo poucas horas atrás, uma discussão sobre o papel da História no pensamento de Claude Lévi-Strauss. Sim! Lévi-Strauss me fez olhar essa minha antipatia pelo correr do tempo com outros olhos! Esse notável antropólogo, já quase centenário, a certa altura da sua (longa) carreira acadêmica criou duas definições de sociedades segundo a forma como estas encaram o devir. Há, para ele, sociedades quentes, para as quais o passar do tempo e o acumular da história são como que o mote de suas existencias, como é o caso da nossa; e sociedades frias, que resistem ao passar do tempo e as inevitáveis transformações que ele traz, são sociedades que resistem à história, como é o caso de sociedades indigenas. Essa lembrança jogou uma luz totalmente nova em minhas reflexões. Viva o Estruturalismo! Passei a ver minha resistência à mudança não mais como rabugentice, conservadorismo ou medo de mudanças. Vejo agora como (mais) uma espécie de inadequação ao pensamento corrente em nossa sociedade. Que bem-estar me traz isso! Ver-me frio em relação à História. Poder pensar com tranquilidade e não mais me culpabilizar por tão pequeno ato de rebeldia. Aceitei que aceitar o correr do tempo como inexorável é um valor moral e não uma condição de existência. Não estou sendo antinatural, se é que isso existe, ao preferir o ontem. Muitas sociedades o fazem, por que eu não? Isso me dá até mais condições de aceitar essa própria condição do passar o tempo. Sim, pois eu resistir à história não faz com que a sociedade também o faça, assim como eu ter determinado posicionamento político não torna o mundo a concretização de minhas ideologias. Não importa o que eu pense, nosso mundo continuará privilegiando o amanhã, o desenvolvimento, a mudança. Eu preciso saber lidar com isso se quiser viver entre os meus. Como ouvi um professor falar na semana passada: "não é socializando os seus bens que você resiste ao capitalismo". A partir de agora olharei esse privilégio da história como mais uma expressão da nossa sociedade, e com a qual eu precisarei dialogar. Curioso isso vir de alguém formado em História? Depende do olhar. O importante é que esse domingo me entregará à segunda-feira diferente de como me recebeu. A História agiu. Isso sim é engraçado. Seria isso pós-moderno? Seria isso psicanalítico? Terei eu precisado compreender para poder aceitar? Não sei dizer. Bacana é agora eu me sentir melhor do que antes.
sexta-feira, 28 de abril de 2006
Líricas
Isso não é hora, mas senti vontade de atualizar o blog com essas duas "líricas", como diria um mau tradutor do inglês. São músicas que compõe a trilha sonora de dois filmes. Mais do que isso, as músicas marcam o apogeu das respectivas tramas. A primeira é do filme "Dancer in the Dark", do Lars Von Trier, interpretada pela indescritível (voz da) Björk. A cena em que a Selma canta junto com seu pretendente, com o trem marcando o ritmo da música, aceitando o fato de que jamais voltaria a ver e que não via mal nisso pois já havia visto o suficiente na vida, é uma das mais tocantes que eu já vi. A segunda canção vem do filme "La stanza del figlio", de Nanni Moretti, atravé da voz de Brian Eno. A cena, embora menos significativa, mas igualmente cheia de emoção, é o momento em que Giovanni, tentando superar a sua inconformação com a morte do filho, vai a uma loja de Cds comprar um disco para presentear uma amiga do jovem e se depara com a expressão "I wonder why we came", que é uma espécie de indagação filosófica que (muito mal) traduzida seria como "Tento imaginar pra que viemos".
As letras assim, soltas, talvez digam pouco. Mas são melodias maravilhosas e - na minha humilde opinião - são a cereja dos deliciosos bolos que são estes filmes. Ei-las:
I've Seen It All (Björk)
I've seen it all,
I have seen the trees,
I've seen the willow leaves dancing in the breeze
I've seen a man killed by his best friend,
And lives that were over before they were spent.
I've seen what I was - I know what I'll be
I've seen it all - there is no more to see!
You haven't seen elephants, kings or Peru!
I'm happy to say I had better to do
What about China? Have you seen the Great Wall?
All walls are great, if the roof doesn't fall!
And the man you will marry?
The home you will share?
To be honest, I really don't care...
You've never been to Niagara Falls?
I have seen water, its water, that's all...
The Eiffel Tower, the Empire State?
My pulse was as high on my very first date!
Your grandson's hand as he plays with your hair?
To be honest, I really don't care...
I've seen it all,
I've seen the dark
I've seen the brightness in one little spark.
I've seen what I chose and I've seen what I need,
And that is enough, to want more would be greed.
I've seen what I was and I know what
I'll beI've seen it all - there is no more to see!
You've seen it all and all you have seen
You can always review on your own little screen
The light and the dark, the big and the small
Just keep in mind - you need no more at all
You've seen what you were and know what you'll be
You've seen it all - there is no more to see!
By This River (Brian Eno)
Here we are
Stuck by this river,
You and I,
Underneath a sky that's ever falling down, down, down.
Ever falling down.
Through the day As if on an ocean
Waiting here,
Always failing to remember why we came, came, came:
I wonder why we came.
You talk to me as if from a distance
And I reply
With impressions chosen from another time, time, time,
From another time.
sábado, 8 de abril de 2006
Desafio
Eu tenho um desafio: escrever. Eu tenho alguns parâmetros: não falar sobre assuntos pessoais; não falar sobre conjuntura política; não falar sobre assuntos acadêmicos/filosóficos ou com uma perspectiva acadêmica/filosófica. Eu tenho um problema: o que fazer?
O dilema de todo perfeccionista é ter que aprender. Mas eu sinceramente sou um perfeccionista que gosta de aprender. Afinal, desde o século XVI a perfeição não é mais inata. Bem, na verdade a perfeição há muito tempo deixou de existir. Alguns a chamam de engodo, outros de quimera (mentira, só eu uso essa palavra), mas pessoalmente prefiro chamar de referência. Blábláblá, blábláblá. Não tenho paciência para desfazer mal entendidos – talvez eu seja um perfeccionista looser – então, me limito a dizer que não, não pretendo ser perfeito e não, não gosto de ser como sou. Só muito lentamente venho me admitindo como perfeccionista, tal qual um alcoólatra. Perfeccionismo não combina com bacanisse, com pessoas descoladas e com cuca-fresca. Não combina com falar em público, sair a noite e trabalhar. Mas eu relevo, como disse, sou um perfeccionista imperfeito. Talvez um perfeccionista wanna be. De qualquer forma, ter repetido tantas vezes as palavras perfeccionista e perfeccionismo me dá uma terrível sensação de imperfeição. Há tempos eu uso a fórmula do sucesso e de sucesso do AA. Evitar o primeiro erro? Não. Aceitar o primeiro erro! É bom lembrar que estar em paz pode fazer bem. O meu sentido de (in)perfeição me indica nesse momento que este texto corre o risco de se tornar uma espécie de auto-ajuda. Pessoal ele já é, parâmetro violado. Uma falta. Mas enfim, nada é perfeito. (...) Seria uma espécie de esquizofrenia? Seria apenas um indivíduo pós-moderno fragmentado? Não poderia responder a estas questões sem incorrer em erro. Afinal, psicanálise e sociologia já existem, certo? Pois é, vejam só em que um não-texto se transformou: nada. Eu sou uma pessoa bem legal e coleciono minhas incoerências com carinho. Talvez essa coisa de perfeccionismo seja idiota e desprovida de de significado, mas qualquer assunto bobo é interessante pra treinar a escrita. É isso mesmo. Desculpe se você levou muito a sério, ou então se você se identificou com o texto. Ele não foi muito mais que um exercício de retórica. Se eu tentasse reescrevê-lo talvez surgisse um texto elogiando minha virtude de aceitar as coisas como são. Mas vêm cá, vocês acharam mesmo que eu seriamente escreveria um texto tão imperfeito?
domingo, 12 de março de 2006
Mãozinha
As vezes penso que deveria estar escrevendo coisas emotivas sobre o exato momento em que estou vivendo. Algumas "mudanças" importantes acontecendo. Mas sabe, em primeiro lugar não pretendo usar este espaço como uma agenda de acesso público onde meus sentimentos estarão acessiveis a um clique do mouse, prontos para serem consumidos; em segundo lugar, como a maioria das coisas escritas sob circunstâncias "limite" têm prazo de validade mais curto que o normal, provavelmente em um mês ou dois o post já seria ridículo. Algumas coisas são até interessantes e dariam de fato posts louváveis. Eu poderia, por exemplo, falar sobre a inusitada situação de comprar o meu primeiro jogo de panelas! Poxa vida, isso é que é subversão! Acredito que também "daria" algo bom falar sobre as coisas pitorescas que encontramos ao empacotar o guarda-roupas. Finalmente creio também que seria hilário comentar sobre os ensaios para a minha formatura... Isso, ensaios. "Quer dizer que no final é só uma encenação?" É, faz sentido. Mas preferi deixar como está. Sobre a formatura falo depois que acontecer. Sobre as outras coisas, também. Tá bom que no momento estou me sentindo meio esquizofrênico num blog não divulgado. Mas é um bom exercício. Treinar em frente ao espelho antes de falar ao público. Não sei por quanto tempo isto² ficará sem atualização. Até lá, algumas dicas: 1 - Manere o uso do orkut; 2 - Aproveite os ultimos dias do verão (você vai sentir falta); 3 - Ouça mais David Bowie
Bowie - Changes (Album: Hunky Dory)
I still don't know what I was waiting for
And my time was running wild
A million dead-end streets
Every time I thought I'd got it made
It seemed the taste was not so sweet
So I turned myself to face me
But I've never caught a glimpse
Of how the others must see the faker
I'm much too fast to take that test
Ch-ch-ch-ch-Changes
(Turn and face the strain)
Ch-ch-Changes
Don't want to be a richer man
Ch-ch-ch-ch-Changes(Turn and face the strain)
Ch-ch-Changes
Just gonna have to be a different man
Time may change me
But I can't trace time
I watch the ripples change their size
But never leave the stream
Of warm impermanence and
So the days float through my eyes
But still the days seem the same
And these children that you spit on
As they try to change their worlds
Are immune to your consultations
They're quite aware of what they're going through
Ch-ch-ch-ch-Changes
(Turn and face the strain)
Ch-ch-Changes
Don't tell t hem to grow up and out of it
Ch-ch-ch-ch-Changes
(Turn and face the strain)
Ch-ch-Changes
Where's your shame
You've left us up to our necks in it
Time may change me
But you can't trace time
Strange fascination, fascinating me
Changes are taking the pace I'm going through
Ch-ch-ch-ch-Changes
(Turn and face the strain)
Ch-ch-Changes
Oh, look out you rock 'n rollers
Ch-ch-ch-ch-Changes
(Turn and face the strain)
Ch-ch-Changes
Pretty soon you're gonna get a little older
Time may change me
But I can't trace time
I said that time may change me
But I can't trace time
Notas:
1 - Tá, é uma piada infame, notada por mim a posteriori
2 - Ver: O homem bicentenário
quarta-feira, 8 de março de 2006
Pra começar...
Bem, criar um blog é sempre uma decisão importante. Ou pelo menos é sempre uma decisão. Blogs não são criados compulsoriamente nem são exigidos no seu curriculum vitae. Tudo bem que meia dúzia de anos atrás, quando os blogs eram a expressão máxima da comunicação pela internet, criar um "diário virtual" era estar realmente na rede. Mas febre passou, chegaram os fotologs, e agora já dão os primeiros passos os videologs. Os blogs se tornaram como lugares nostálgicos da internet. São como os antigos salões de dança com cortinas, poltronas estofadas em veludo e detalhes em gesso nos tetos. Agora blogs são lugares de memória onde antigos amigos se encontram pra falar dos Golden Years. Da época em que as palavras ainda tinham vez na internet. Mas a sensação não é desagradável. É como aquele bar bacana que frequentávamos há anos e que, de repente, tornou-se o bar da moda. Com o excesso de pessoas, o lugar torna-se insuportável e deixamos de visitá-lo. Algum tempo depois as pessoas esquecem-no e então os bons filhos - os verdadeiros frequentadores - podem retornar para sessões periódicas de saudosismo. É assim que me sinto retornando ao universo dos blogs. Do primeiro, lá se vão quase 6 anos. Do último, há mais de 2 anos sem atualização, ainda resta seu corpo já sem vida. Espero que desta vez seja prazeiroso e não seja breve. Agora, afinal de contas, não há mais pressa, pois estamos no porto seguro daqueles que foram engolidos pela História e que padecerão eternamente na atemporalidade, afastados das necessidades de todo vanguardismo.