Sou uma putinha de bairro. Aquela que você vê andando por aí de shortinho e top. Tenho a pele encardida e faço o máximo que posso com meu cabelo. Minha clientela não é exigente. Quando é alguém de fora, perde tempo olhando, tentando descobrir se sou puta ou andarilha mendiga maltrapilha. Demora acostumar o olho, mas quando acham a carne defumada na fumaça do asfalto que eu habito, querem me carregar na boca prum canto escondido, feito uns vira-latas. Os homens me curram com força as derrotas de suas vidas. Sou eu que engulo a porra da miséria da humanidade. Quando me penetram, é um mundo que eu recebo de pernas abertas. Quando gemem, são palavras de ordem que eu libero; quando gritam, é a revolução que não aconteceu. Sem mim, o mundo que me despreza não existiria. Faço parte do rol de coisas e seres misturados que constroem seu próprio infortúnio - que os outros chamam de civilização. Estamos do começo ao fim. Plantamos a semente da comida que os alimenta e recolhemos a merda dos dejetos que despejam. Somos invisíveis porque necessários demais para que o orgulho nos aceite. Eu aceito. O preço das escolhas que não fiz nas oportunidades que não tive. Me divirto mais que as outras. Mais que a senhora decente que recata a puta que a habita com o hábito da virtude; essa puta que o marido procura nas ruas sujas em que me encontra. Posso dançar o que quiser, beber o quanto quiser daquilo que eu quiser. Não preciso me importar com as aparências. Meu jogo é limpo, eu sei o que eles querem, eles sabem o que eu dou. Nunca me deram um livro, já ganhei perfume - acho que eu fedia. Nunca me deram flores, já ganhei uns socos - acharam que eu merecia. Nunca recebi uma proposta de casamento, já perdi a conta das orgias - todos achamos bem mais gostoso. Não alimentem ilusões, eu sou o útero do mundo. Vinde a mim, os fodidos. Trabalhadores do mundo, fodei-me.
Conversa interna com a sacerdotisa
Há 4 anos