sábado, 15 de julho de 2006

Vocação?

Sempre fico imaginando que há em mim algo grandioso a ser descoberto. Alguma capacidade especial, uma especialidade que me torne singular entre milhões. Essa virtude, quando descoberta, faria com que minha vida enfim passasse do devaneio à realização. Mudaria minha maneira de ver o mundo, me traria respostas. Mas onde estaria ela? Seria a arte? Mas que arte? Artes cênicas, plásticas, visuais? Seria a arte da palavra? Que tal música? Mas música erudita, folclórica, instrumental, pop, eletrônica ou world? Bach, Gil ou Mc Serginho? Ou seria então minha virtude a engenharia? Serei eu um grandioso engenheiro civil a ser descoberto? E por que não a engenharia mecânica, elétrica, química, de alimentos, de tecidos, de concreto, de arbustos ou de banquinhos? Serei eu o novo Sócrates a re-revolucionar a filosofia? Ou então serei eu a grande potencialidade política para resolver os problemas do Brasil? Serei eu o maior biólogo de todos os tempos em stand by? Conhecedor dos Mares, como Jacques Costeau? O Novo Darwin? Ou então minha vocação seria a Física? Arquimedes pós-moderno? Einstein pós-punk? Serei eu um pesquisador com potencial para desenvolver o fármaco da cura do câncer? Ou serei eu um atleta? Essa hipótese é assombrosa. Quando era novinho, sonhava em ser jogador de futebol, como todos. Essa vocação é uma das poucas que pude verificar na empiria não possuir. Mas será que joguei volley o suficiente na escola? E basquete? Terei eu acertado ao desistir tão precocemente da natação? E o desleixo com os treinos de xadrez, me terão rendido o anonimato eterno? Seria eu o novo Kasparov a derrotar o Deep Blue? Será que me dediquei como devia ao tênis de mesa? Ou então, será que a falta de incentivo à pratica do atletismo, que eu tanto gostava, terá ocultado do mundo o sucessor do Ben Johnson? Badmington, Pólo, Pólo Aquático, Golfe, Baseball, Rugby, Tênis, Squash, Ciclismo, Triathlon, Pentatlo, Capoeira, Judô, Muay Thai, Ginástica Olímpica ou Artistica, Salto Ornamental e tantos outros esportes que eu nunca pratiquei. Estará em algum deles a porta do meu futuro que eu nunca abrirei? Esse é o meu grande medo. Nunca desmontei um motor, pintei um quadro, fiz um suéter ou uma cerâmica. Estarei eu no caminho errado? Tenho uma convicção estranha de que todos nascem com um domínio. Ninguém, no entanto, nasce sabendo onde ele está. Alguns parecem o encontrar, pela extrema competência com que desenvolvem suas atividades: Shakespeare, Napoleão, Lévi-Strauss e Zidane. Que seria de nós se Shakespeare fosse militar e Napoleão escritor? Lévi-Strauss jogador de futebol e Zidane antropólogo? Essas excepcionalidades me fazem acreditar mesmo é que a maioria das pessoas nasce vive e morre em domínio alheio. Afinal, o que define a atividade que uma pessoa exercerá durante a vida é algo puramente contingencial: a situação financeira, o local de nascimento, uma amizade, um amor, um professor. É claro que nessa hora a sociedade cai com todo o seu peso sobre essas escolhas. Um jovem norueguês não se descobrirá xamã como dificilmente um pescador do Amparo se descobrirá engenheiro nuclear. Nesse caso a própria sociedade poderia ser vista como "contingencial". No entanto, é impossível dizer o que há do individuo além do território da sociedade que o comporta. De qualquer forma, o mar de possibilidades vislumbrado por mim, mesmo na esfera das atividades da nossa sociedade, é suficiente para solapar qualquer otimismo. Será que não bastasse ser um intelectual, será preciso ser um cientista, mais que cientista, um físico, mais que físico, um físico nuclear, mais que físico nuclear, especialista no átomo, ou ainda além, especialista no próton, mais que isso, será que é preciso ser especialista no movimento da direita para a esquera de um quárk para se encontrar vocacionalmente ou será isso justamente o contrário? Será a especialização uma forma de se apropriar de um domínio que não é seu por nascimento, apenas por exclusão de qualquer outro possível dono? Então, como se encontrar? Será preciso experimentar todas as possibilidades? Se assim for, nossa vida é uma piada miserável. Acaso as genialidades são construídas conjunturalmente? Bem provável, o que não muda a idéa de que há um campo especial de desenvolvimento das potencialidades de cada pessoa. Nos séculos XVIII e XIX, alguns pensadores como Saint-Simon e especialmente Charles Fourier sonharam com um mundo de equidade em que todos descobririam naturalmente suas vocações espontâneas e o mundo as aceitaria. É a teoria de que há uma justa e natural distribuição das vocações no mundo. Diferente da arbitrária distribuição que cria milhares de médicos e advogados 'por vocação' e tão poucos que sonham em ser lixeiros. Não por acaso foram chamados de utópicos. Mas independente da insignia que lhes apregoam, é interessante pensar num mundo assim. Um mundo em que a plena realização não se encontrará escondida através de uma hiperclassificação das atividades. (texto violentamente interrompido pela perda de motivação)

sábado, 1 de julho de 2006