quarta-feira, 26 de novembro de 2008

Não Amarás

Após tanto tempo carregando sozinho o fardo do amor secreto, decidiu escapar às muralhas de silêncio que havia construído ao redor de si. Não foi uma conclusão, apenas uma decisão. Na verdade, não passou de mera resolução. Não estava certo do que faria nem sabia ao certo porque o faria. Apenas o faria. Cansou-se de sentir sua respiração diminuindo sempre que ela se aproximava, como se houvesse uma razão simétrica entre a distância que os separava e o tamanho de seus pulmões. Chegou mesmo a sentir-se completamente sem ar na ocasião em que, por mero descuido, se esbarraram. Ela sequer percebeu. Tampouco estava disposto a aguentar em silêncio as mãos trêmulas, a dor no estômago, o suor. Sentia-se ridículo com esse amor psicossomático, amor doentio num sentido muito particular. Queria poder falar-lhe, queria poder existir ao seu lado, queria enfim, ser livre para amá-la, e não viver preso numa gaiola de medo. Aquilo tinha que terminar.

Dedicou uma semana a pensar na maneira como faria a confissão. Concluiu que tudo seria mais fácil se ela jamais o tivesse visto, que fossem absolutamente estranhos, mas não era o caso. Ao longo dessa longa gestação, ele compensou sua fraqueza em declarar-se desvendando minúcias de sua vida. Sabia que ela gostava de penne al sugo, que ouvia música folk e que gostava de filmes violentos. Empenhou-se também em descobrir seu peso, sua altura, a cor exata de seus cabelos e olhos. Sabia tanto que dela passou a sentir-se íntimo. Tristemente, essa intimidade não facilitou nada suas intenções, pelo contrário. Quanto mais próximo sentia-se dela, mais patética parecia qualquer intenção de contato. Sentia-se, a bem da verdade, cínico. Como ele iria aproximar-se de alguém que já lhe era próxima e conhecer alguém que já bem conhecia? Com que cara perguntaria seu nome, seu prato preferido, os filmes de que gostava? Agravando ainda mais a situação, tinha a certeza de ser ele também já próximo dela. Não da maneira como ela era dele, certamente, mas a devassa que fez em sua vida exigiu considerável exposição. Frequentavam, ao cabo desses longos meses e não por acaso, os mesmos restaurantes, a mesma video-locadora, a mesma loja de discos. A essa altura, ela já tinha, inevitavelmente, tomado conhecimento da sua existência e só não desconfiou de nada pela apurada habilidade que ele desenvolveu de olhar perimetralmente e parecer sempre preocupado com seus próprios pensamentos. Entretanto, e dessa forma, como agora iria ele aproximar-se dela? Depois de tanto tempo, por que o súbito interesse? perguntaria ela, ou pelo contrário, poderia achar que se tratava de um maníaco obsessivo. Nesse caso, nem mesmo ele tinha certeza de que isso não era verdade.

Decidiu-se. Passaria três dias evitando voluntariamente encontrá-la e após esse período, na primeira vez em que ocasionalmente se encontrassem, falaria. Passaram-se os três dias. E mais três. E então mais três. Descobriu que realmente era artificial a coexistência de ambos nos mesmos ambientes. Era o décimo dia sem vê-la. Em seus pensamentos, estava desesperado. Sua aparência, logicamente, estava péssima. Não dormira nem metade das últimas noites e até um banho ou outro chegou a faltar-lhe. Nesse dia aconteceu. Passavam das 19 horas, viu seu ônibus saindo do ponto e correu para alcançá-lo. Pensava que ela poderia estar na padaria do bairro onde vez ou outra fazia uma refeição perto das 8 da noite, por isso não queria perder o ônibus (inconscientemente já tinha abandonado o plano do encontro casual, embora ainda não tivesse voltado aos encontros deliberados). Estava, sem dúvida, fora de forma, fulminado pela vida sedentária que sua rotina mimética tinha lhe imposto. Chegou suado e vermelho ao ônibus, deixando evidente a todos sua condição física precária. Pagou, passou a catraca, esforçando-se para levantar a bolsa à tiracolo. Olhou para o fundo do ônibus e a viu. Chegou a hesitar, julgando não ser o momento adequado nem as condições. Como, porém, tinha tomado uma resolução e não chegado a uma conclusão, aceitou o destino e foi ao seu encontro. Pela primeira vez ele olhou fixamente em seus olhos. Não tardou para que ela percebesse que aquele estranho conhecido hoje lhe olhava de forma diferente. Uma senhora, uma mulher com bebê no colo e vários outros passageiros desesperados para descer do ônibus alongaram o caminho dele, que gostou de poder tomar coragem, até ela, que parecia já sentir medo. Chegou perto e sentou-se no banco ao seu lado.

Deu-se conta, nesse momento, de que jamais havia dirigido a palavra a ela. Concluiu que isso isso era lógico, e então percebeu que pela primeira vez o ar não lhe faltava. Estava pronto. Esperou cinco longos minutos até que ela tirasse os olhos da janela – o que diabos tinha de tão interessante la fora? - onde tinham se fixado desde que ele se aproximara. A deixa foi uma freiada brusca que a fez olhar instintivamente para frente. “Ô” foi a primeira palavra que ele dirigiu a ela. Ele se referia ao susto que supostamente tomaram, mas logo percebeu o quanto imbecil é esse tipo de comunicação. Precisava consertar isso logo. “V...”. Era o começo de um “você” que ele começara mas não terminara porque nesse exato momento ela havia virado novamente o rosto para a janela. Ele ia fazer a terceira tentativa quando ela rapidamente abriu sua bolsa e tirou fones de ouvido e os colocou. Resignou-se. Declarou frustrada a aproximação.
No fim dos trinta minutos ao lado dela, já quase não dava importância para a sua presença. Tornou-se indiferente. Durante alguns dias gastou muitas horas pensando se ela havia o evitado de maneira proposital. Chorou, embriagou-se. Sofreu ainda por cerca de um mês, mas a cada dia menos. Certa manhã, sentiu-se novamente ridículo. Sentir-se ridículo era a única coisa que o fazia agir. Decidiu, então, parar de sofrer. Mais uma resolução. Dessa vez foi sem esforço, ele conseguiu. Nunca mais amou.


* * *

Esse é um exercício que comecei a fazer. Trata-se de escrever um mini-conto inspirado por um filme e escrito imediatamente após eu vê-lo e num só fôlego. O filme da vez é Não Amarás, do Krzysztof Kiéslowski. Sem pretensões, só por diversão. Aliás, o filme é fantástico, lindo, bem diferente desse texto. =]

domingo, 5 de outubro de 2008

Mesa, geladeira, câmera fotográfica, televisão, carro.

E desse mundo do qual nada levarei,
pareço tudo querer ter.
Mas não quero - e quero.
O mundo me quer,
as coisas me querem.
Querem meu salário,
querem meu trabalho.
Querem meu desejo,
querem meu delírio.
Querem meu querer,
querem poder ter.

Nada basta,
Tudo é irrisório.
No vazio impreenchível
da angústia
da espera interminável.
Fim do mês.
Fim do ano.
Fim do ciclo.
Fim da vida.

Fim da espera,
quando vem?
Quanto custa?
Em quantas vezes?
E tem garantia?
Que garanta a tranquilidade
a felicidade,
o sorriso?

...

E com meus desejos,
o que faço?
São vendáveis?
Vendavais?

Vendo minha alma
Por um desejo apenas, pulsa
Ela só quer paz,
Ela só quer serenidade

...

Posso sentar e esperar
ou pra ficar
eu preciso consumir?

sábado, 23 de agosto de 2008

Crase

Meu Deus, este blog passou um ano com um erro de crase no template! Crase, meu Deus! Um ano!

quarta-feira, 14 de maio de 2008

Rir até de mim

É você
Quem sou eu?
Que me faz assim
Que fico bobo
Rir até de mim
Só de pensar em ti

E nos dias de solidão
meus olhos se enchem
de amor e de saudade
te buscam nos detalhes
e te encontram
nas paredes, nos móveis
no cheiro da cama e dentro de mim

que faço versos
desajeitados como sou
banais
clichès
ridiculinhos de dar dó
só como pretexto pra dizer
que sinto tanto sua falta

domingo, 4 de maio de 2008

Estou começando a escrever aqui.

domingo, 17 de fevereiro de 2008

segunda-feira, 28 de janeiro de 2008

Carnaval

Hoje tive uma daquelas descobertas desanimadoras: o carnaval, enquanto quebra da ordem, ruptura do cotidiano, inversão de papéis sociais, momento de alegria em que o povo extravasa seu desejo de um mundo mais livre, é muito mais divertido enquanto proposta teórica que enquanto prática.

Juro que tento gostar de carnaval, mas não tem jeito!

terça-feira, 22 de janeiro de 2008

O segundo

2º lugar. O primeiro dos últimos. O melhor entre os piores. Um líder de fracassados.
Mas sobreviverei, ok? Já passei por piores.


Aí deu aquela sensação denovo. Vontade de ter 16 anos, de poder gozar da própria imbecilidade, de não ter a menor auto-crítica, mas principalmente de poder respirar. A época em que eu tinha um amigo com problemas. Hoje acho que tenho um que não tem. É bacana amadurecer, mas supimpa mesmo seria ter tudo ao mesmo tempo agora. Hoje eu me dedicaria a aprender um instrumento e teria uma banda de sucesso. Faria mais amigos. Deixaria tudo pra depois. Mas droga, a vida é isso, a gente está sempre cavando um buraco pra tampar outro. Ou a gente tem serenidade pra fazer escolhas, ou a gente tem escolhas pra fazer. Não dá, não dá. E isso é duro aceitar, ainda que fundamental. Foda mesmo é quando a gente percebe que está de bobeira. Olha, é raro a gente perceber que tem algum poder! Normalmente o poder é algo que tinhamos até um segundo atrás mas que já não nos pertence. Então perceber que pode fazer alguma coisa aqui, neste momento, e não fazer nada é um crime.

segunda-feira, 14 de janeiro de 2008

Bolinha no lugar errado

Odeio errar. Três bolinhas marcadas no lugar errado num papel cartão e eu me lembro como ser adulto não tem graça. :(