terça-feira, 10 de julho de 2007

A morte de Carlos


Morava em minha casa uma pessoa que muito eu estimava. Estava sempre disposto a ajudar, solícito mesmo. Nunca o vi de mau-humor. Ainda quando acordado às 08 da manhã num domingo, demonstrava uma simpatia que fazia com que dirigir qualquer tipo de ofensa ou mesmo palavra mais rígida a ele se tornasse algo digno de vergonha. Realmente um grande ser humano. Era o tipo de pessoa com quem se pode contar. A bem da verdade, meu primo Carlos era daqueles que se destacam nos momentos difíceis. Aquela pessoa que puxa para si a responsabilidade de tocar o barco, custe o que custar. Jamais poderei esquecer os momentos em que, prestes a perder as esperanças, tive em Carlos uma mão amiga. Mais que isso. Como fiel companheiro, em inúmeras vezes ele me emprestou também seus ouvidos e quando percebia que o silêncio seria melhor pra mim, permitia que eu me calasse e falava em meu nome.

Tudo isso contrastava, no entanto, com o comportamento de Carlos nos momentos menos difíceis. Se outrora ele parecia ser o centro das atenções, como uma daquelas grandes e gordas mães italianas que povoam nossa imaginação, não deixando jamais “a peteca cair”, como gostava de dizer, quando a tempestade se dissipava, Carlos parecia também se dissipar. Durante algum tempo ainda permanecia em destaque, como que pra conferir se a melhora era permanente ou se era aquela aparente melhora que doentes terminais normalmente têm na véspera da morte (para que possam se despedir, dizem alguns). Confirmada a estabilidade, meu primo começava um processo não muito demorado de diluição de seu papel no cotidiano harmonizado. Tal como um ditador romano eleito pelos cônsules para dar cabo a um conflito, findo o problema, dissolvia-se sua autoridade.

Carlos, nos tempos mais recentes, andava muito ausente. Nos raros momentos em que aparecia, havia algo em seu olhar além da habitual oferta de conforto. Ele parecia saber alguma coisa, algo não muito bom sobre o seu futuro. Hesitava em falar. Seria a maior desonra trazer o menor desassossego, a menor sombra sobre o sol de verão das vacas gordas. Numa das últimas vezes que o vi, deixou escapar que já não fazia planos, que talvez fosse melhor começar denovo. A partir daí não tive dúvidas. Carlos estava se despedindo. Jamais me falaria isso, obviamente. Sabia que eu pediria para que ficasse e que não ousaria recusar tal pedido (como sempre, antecipava-se ao pedido, oferecendo-se voluntariamente).

Apesar de meu grande apreço, aceitei sua decisão. Ele precisava ser útil, senão ali, em qualquer outro lugar. Carlos sempre foi muito espiritualizado. Mantinha, na verdade, um acosmicismo, um amor universal e uma crença na completude. Cria que havia um lugar para tudo e para todos. Convicto de que seu lugar não era mais em minha companhia, partiu. Deixou comigo apenas uma sincera gratidão e o ensinamento de que só existe um problema: o desajuste. Carlos não tinha posses.

2 comentários:

  1. Bem, pelo que vejo iniciou-se a era da vacas gordas. Espero que não esqueça dos seus amigos humildes do Alpes curitibanos e não deixe tudo isso lhe subir à cabeça.

    Enquanto a mim, meu primo ainda não partiu. Está aqui, segurando "umas pontas" com seu cinismo inspirador.

    Ah, obrigado pela brilhante idéia. =)
    Foi uma lição para toda a vida.

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  2. Carlos obrigada por fazer companhia pro Elton nesses ultimos tempos.
    Mas não espere saudades.
    Mas se um dia ele precisar de vc novamente, não exite em voltar, nem que seja encorporado e com outro nome.
    Valeu Elton pelo texto.

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