domingo, 12 de julho de 2009

O homem que sorri e que gargalha

Com enormes poucos dentes brancos de branqueamento químico, sorri este homem podre de vontades distorcidas. Que quererá ele, em pé, soberbo, no meio da praça, na mira dos olhos dos passantes que se esforçam por serem indiferentes. Tem nas mãos algo intrigante que brilha de reflexo, puro medo do sol que cai lá em cima. Ele olha, e sorri, e gargalha a gargalhada dos desesperados, das pobres almas incapazes de controlar o pensamento. As calças mijadas de pavor, os pés encardidos de miséria, é estátua de semblante esvaziado. Continua sorrindo e gargalhando o infeliz das roupas cinzas da fumaça, da areia, do pó que os outros tiram no chuveiro quando chegam em casa. Que têm nos pulmões as pessoas de bem que olham sem respeito e cospem pensamentos de desprezo? Que tem no intestino o grosso sujeito digno, de virtude, resoluto na moral mais putrefata? E ele olha, e sorri, e gargalha, e aponta o céu com todos os dentes que lhe faltam na boca, cheiro de merda. Enquanto os outros passam, indo sem sentido pra lugar algum. Até que tudo passa, e a noite madruga sem transtorno. E os cachorros refugiam-se sem lamento aos pés do pobre homem de olhos amarelados que morreu e continua ali, em pé. E a noite passa, e o dia chega e todos chegam e no passo apertado passam pelos mesmos caminhos. Não olham o defunto que olha, e sorri, e gargalha com poucos dentes e barba horrível de banho nunca dado. E é assim que tudo vai, vão-se todos cruzando vias e abaixando os olhos quando passam por ele, sujeito da existência lastimável, que sorri e que gargalha.

5 comentários:

  1. Em Porto Alegre havia um cara morador de rua q parava no sinaleiro e ficava benzendo os carros, fazendo um sinal da cruz no ar.
    As vezes alguém queria dar uma moeda, ele recusava dizendo que aquilo era por amor.

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  2. Muito bem escrito, parabéns. Gostei das "tags", bem otimistas! rsss

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  3. EXCELENTE cara... você escreve bem demais!!!

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  4. Genial essa sua escrita. Do caralho mesmo.

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  5. Tenho certeza que muita gente gostou mas não entendeu o texo, deixe-me extragá-lo dando um simples título: "O espírito do mendigo da praça continua mendigando."
    Abraços

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