quinta-feira, 15 de outubro de 2009

Ascensão e queda de um velho condômino - II

Numa tarde de quinta-feira atirou pela janela seu pequeno cachorro que virou três. A criançada, a princípio estupefata, não tardou a mexer com gravetos as entranhas do animalzinho, procurando entender como aquela massa ensanguentada era o tal do organismo sobre o qual falavam as aulas de ciências. Lá de cima, o velho ficou apenas olhando os piás executarem as exéquias e demais ritos fúnebres que tiveram lugar, concluída a investigação forense. Tinha o olhar grave, não sorria nem chorava. Contemplava ou menos que isso. Ele não estava lá, diria mais tarde Sêo Sebastião, contador aposentado e leitor entusiasta de Zíbia Gasparetto, seu olhar estéril indicava um corpo vazio jazendo sem alma. Os restos de toby foram enterrados aos pés do sombreiro do Sêo Cláudio - sem seu consentimento. Sete dedos de profundidade, é o certo pra animais. Sem contestações, Cristiano, após a demonstração de conhecimento da arte, tomou o posto de sacerdote-chefe da cerimônia e passou a conduzí-la. Determinou que no fundo da cova da profundidade determinada deveria haver uma caminha de folhas. Afimou que não, jamais procederia ao enterro sem a dignidade de uma caixa de sapato para fazer as vezes de ataúde. Prontamente atendido por Dona Candinha, sepultou o pobre animal sob uma improvisada cruz de galhos. Decretou que não voltaria a jogar bola no dia e subiria para pensar, sei lá, to meio mal. Todos fizeram o mesmo, exceto Guilherme que sentou numa calçada próxima ao túmulo e de lá o olhou fixamente por meia-hora, até que sua mãe o chamou. Quando ia embora, viu que o Velho continuava na janela, com o mesmo olhar de medusa. Teve um mau pressentimento que só passou na primeira colherada da sopa de feijão que sua mãe prepararia naquela noite.

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