domingo, 30 de abril de 2006

Domingo


O Domingo é um passo para a nostalgia. Estava eu fugindo às minhas obrigações, revirando arquivos e fotografias antigas, quando começo a pensar sobre esse inexorável peso que nos cai às costas chamado tempo. Quando era pequeno, diferente das outras crianças, não queria crescer. Ser adulto nunca me atraiu. Desejava mesmo era poder ser criança pra sempre. Não sei o que me fez antever tão precocemente a angústia da vida adulta. Mesmo quando a mudança era inevitável, não me apressei. Não esperei os dezoito anos para poder sair e não ser barrado nos bares. Não fiquei ansioso para tirar a carteira de motorista. Nunca "não vi a hora" de trabalhar e "ter meu próprio dinheiro". O tempo pra mim passa com sofrimento. Por regra, prefiro o ontem. Não está presente nessa afirmação algum tipo de lamento ou desgosto. Geralmente recebo o presente com satisfação e mesmo alguma devoção. Ele veio, preciso tê-lo. Apenas preferia que não chegasse. Essas minhas reflexões são comuns, e hoje pareciam não levar a lugar algum. De fato não levariam se eu não tivesse, por um instante lembrado de algo. Pode parecer estranho, caxias e até "calouresco" utilizar os estudos em reflexões sobre a própria vida, mas isso aconteceu. Lembrei de algo que estava lendo poucas horas atrás, uma discussão sobre o papel da História no pensamento de Claude Lévi-Strauss. Sim! Lévi-Strauss me fez olhar essa minha antipatia pelo correr do tempo com outros olhos! Esse notável antropólogo, já quase centenário, a certa altura da sua (longa) carreira acadêmica criou duas definições de sociedades segundo a forma como estas encaram o devir. Há, para ele, sociedades quentes, para as quais o passar do tempo e o acumular da história são como que o mote de suas existencias, como é o caso da nossa; e sociedades frias, que resistem ao passar do tempo e as inevitáveis transformações que ele traz, são sociedades que resistem à história, como é o caso de sociedades indigenas. Essa lembrança jogou uma luz totalmente nova em minhas reflexões. Viva o Estruturalismo! Passei a ver minha resistência à mudança não mais como rabugentice, conservadorismo ou medo de mudanças. Vejo agora como (mais) uma espécie de inadequação ao pensamento corrente em nossa sociedade. Que bem-estar me traz isso! Ver-me frio em relação à História. Poder pensar com tranquilidade e não mais me culpabilizar por tão pequeno ato de rebeldia. Aceitei que aceitar o correr do tempo como inexorável é um valor moral e não uma condição de existência. Não estou sendo antinatural, se é que isso existe, ao preferir o ontem. Muitas sociedades o fazem, por que eu não? Isso me dá até mais condições de aceitar essa própria condição do passar o tempo. Sim, pois eu resistir à história não faz com que a sociedade também o faça, assim como eu ter determinado posicionamento político não torna o mundo a concretização de minhas ideologias. Não importa o que eu pense, nosso mundo continuará privilegiando o amanhã, o desenvolvimento, a mudança. Eu preciso saber lidar com isso se quiser viver entre os meus. Como ouvi um professor falar na semana passada: "não é socializando os seus bens que você resiste ao capitalismo". A partir de agora olharei esse privilégio da história como mais uma expressão da nossa sociedade, e com a qual eu precisarei dialogar. Curioso isso vir de alguém formado em História? Depende do olhar. O importante é que esse domingo me entregará à segunda-feira diferente de como me recebeu. A História agiu. Isso sim é engraçado. Seria isso pós-moderno? Seria isso psicanalítico? Terei eu precisado compreender para poder aceitar? Não sei dizer. Bacana é agora eu me sentir melhor do que antes.

2 comentários:

  1. Caramba, MUITO BOM esse post!

    É tão bom quando encontramos conforto em algo ou alguem que nos mostra que 'normalidade' não passa de um conceito. É importante perceber que cada um é diferente e tem suas peculiaridades, não somos obrigados a compartilhar dos mesmos pensamentos... Cada cabeça é um universo de idéias!

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