quinta-feira, 29 de novembro de 2007

A ruína de uma civilização

Tive um sonho interessante um tempo atrás.

Estavamos, eu e uma pessoa, em pé num lugar indefinido. Essa pessoa me falava, com muita persistência. "Você tem que fazê-lo, senão eu o farei. Você tem que fazê-lo, senão eu o farei." Em seguida chegava uma pessoa com uma arma e atirava em mim. O que eu tinha que fazer, que a pessoa tanto insistia, era atirar nessa pessoa antes de ela atirar em mim. Se eu não atirasse, a pessoa que estava ao meu lado atiraria. E tudo se passava assim, no pretérito imperfeito. Acontecia e se repetia, mas não da mesma forma. Após o tiro disparado, voltávamos ao inicio do diálogo. Algumas vezes eu até tentava atirar, mas ou errava o tiro, ou não conseguia apertar o gatilho. Na maioria, no entanto, eu apenas me recusava. Enquanto isso acontecia, uma frase ecoava em minha mente, ao fundo, como um narrador de filme bem ao estilo Dogville, dizendo "A ruína de uma civilização". Eu me recusava atirar pois para mim era inadmissível atirar em uma pessoa que eu sequer conhecia, mesmo que esta pessoa estivesse prestes a fazê-lo contra mim. Aquilo seria negar a tradição segundo a qual, pelo menos supostamente, criou-se nossa sociedade. Toda sociedade tem seus princípios, e o da nossa, ou pelo menos o da minha, é o da compreensão e o do diálogo. Atirar seria destruir com as próprias mãos um pedaço desse ideal. Deixar-se atingir seria permitir que também outro pedaço desse ideal fosse destruído. Eu sentia vontade de falar às pessoas. Sentia vontade de gritar aos ventos que estávamos nos afundando. Que ao invés de tiros, as pessoas deveriam trocar abraços.

E assim, nesse tempo cíclico, um não-tempo, a situação se passava como um mito. Aquilo não era uma história. Não era a história de um assalto ou de um assassinato. Era a dramatização de um ideal. Mesmo sendo um grande rejeitador de essencializações, não consigo não me perguntar: que mundo criamos? Com base em que? Acreditamos na democracia mas produzimos armas. Será isso mera hipocrisia ou a elevada consciência de nossa falibilidade? Algo rege mesmo nossa sociedade ou há apenas discursos vazios? Mais ainda, há mesmo discursos ou apenas fragmentos, falas perdidas que percorrem o tempo e o espaço em busca de outras com as quais se vincular, formando ligações que tem o poder de se auto validar? Existirá ou terá algum dia existido essa sociedade do intelecto? Sua menção apenas serviu para me fazer crescer longe da dureza do mundo vivido ou será que é o mundo vivido que se esqueceu de que sociedade foi parido?

2 comentários:

  1. É engraçado, quando falam de sociedade, não consigo imaginar isso como um bloco uniforme. Eu tenho o hábito de ver as pessoas individualmente, de lembrar que não pensamos todos da mesma forma, que eu nunca atiraria em ninguem, quando existem pessoas que fariam com prazer.
    A sociedade atual, ao meu ver, não foi formada por um todo, mas pela minoria que esteve no poder.
    Houveram sim as revoltas e tudo mais, realizadas pelos oprimidos, mas acabava que quem realmente ditava as regras, eram os que estavam no poder...
    Você fala da questão das armas mesmo em democracia, mas a explciação disso é essa manutenção de poder. Com as armas por meio do medo. Não falam que as armas são para combater o inimigo interno, mas sim se prevenir de um externo. O caso do proprio Bush, que usou do terror para ganhar votos e, o pior, conseguiu.

    Me perdi no que tava escrevendo e no que você escreveu e nem sei mais o ponto que eu queria chegar, entao paro por aqui. Melhor sonho da proxima vez.:)

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  2. Eu queria escrever um depoimento fervoroso sobre a sociedade no meu ponto de vista, mas eu ando tão desgostosa com isso que não me vem nada em mente para denfender uma idéia positiva. Com tanta coisa errada que tem acontecido, às vezes eu paro e me pergunto: afinal, o que é o errado?
    Seria errado matar, se a "sociedade"não tivesse estipulado que é? Seria errado roubar, se a mesma "sociedade" não nos tivesse imposto essa regra?
    Não sei. A "sociedade"(leia-se minoria)sempre nos empurrou garganta abaixo o que ela acha que é certo e o que ela acha que errado, nos fazendo formar opniões que por vezes dizemos que são opniões originais e sinceras. Mentira. Nenhuma opinião é formada, nehuma opinião é original e muito menos é sincera.
    Agora, como posso me portar diante de tal "sociedade", se é a própria que nos empurra para fora do seu círculo vicioso de hipocrisia e depois dita as regras para nos punir por termos nos excluídos?
    Nós fomos criados e educados para vivermos em "sociedade", para dar bom dia ao vizinho, para ajudar a velhinha com a sacola, para sermos mães, sermos pais, filhos e hipócritas. Por que é quando mais precisamos nos portar como semelhantes e como parte de um todo, é que vem à tona a verdadeira essência do ser-humano. E é quase sempre dessa essência que eu tenho medo.


    Elton, adorei seu post :D

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