segunda-feira, 19 de outubro de 2009

Ascensão e queda de um velho condômino - III

Três semanas mais tarde foi ele quem tentou espatifar-se contra a calçada, para horror e desespero das senhoras que, do chão, contemplaram duas indesejáveis bolas pendentes de um saco escroto e sem escrúpulos. Completamente nu, gritava as mais desconexas frases que um pretenso suicida jamais pronunciara. A única palavra que a audiência distinguia com clareza era "gravata", o que em nada fazia avançar a compreensão do lamentável monólogo. Após acionados polícia e bombeiros e já com o Cabo Guimarães pronto para, da janela do andar de cima, efetuar o bote de salvamento e imobilização, o sujeito desceu da janela e entrou em seu apartamento. A pausa dramática que se estabeleceu prolongou sofrivelmente o tempo. Na eternidade do primeiro minuto após o sumiço, todos esperavam pelo estampido seco de um derradeiro tiro que lhe abriria a cabeça, executado provavelmente no banheiro. Só o silêncio ecoou. Mais dois minutos e ainda. Cabo Guimarães, em nítida insubordinação que lhe custaria o posto, hesitava em investir contra a janela do apartamento em flagrante medo de virar ele o morto do circo armado, a vinte metros do chão, pendurado num barbante vermelho. Em dez minutos, nada havia mudado. A platéia, desanimada, começou a dispersar, voltando cada um a sua ocupação anterior, Gilson do bloco B a lavar seu Comodoro branco com a água do condomínio, os adolescentes a jogar truco na calçada, Dona Filomena a tentar identificar quem era o novo namorado da moça do 402 - o sexto só esse ano, o segundo gordo e o primeiro a usar sapatos. Restaram apenas os mais velhos e as mais crianças. O suicida, enfim, não voltou mais. Meia hora depois, quando os policiais arrombaram a porta do apartamento, encontraram o bêbado já de cuecas dormindo na mais fetal das posições que a meia-idade permitiria, ao lado de um copo com um líquido branco que - provou-se mais tarde - não passava de leite UHT semi-desnatado. Foi só então que a vizinhança pôde mensurar o tamanho da decrepitude que atacara o velho do 703.

4 comentários:

  1. Rapaz, eu to rindo muito aqui. Na verdade da númnero 2. Dessa eu não posso rir porque um velho se matou no apto da frente quando eu era moleque. Daí fico tenso. Mas não vou acabar com o bom momento trazendo mazelas.
    Curti o blog.
    Abração!

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  2. um dia chego lá..ou ai, no caso. muito bom!!!!

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  3. Comecei a ler e quase me mijei de rir. Curti muito sua escrita. Abraço

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  4. Elton Colini... vc é fera mesmo na escrita... ei é de autoria sua mesmo esses textos?

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