quinta-feira, 8 de outubro de 2009

Juro que não bebo

Sou esse sujeito imundo que te olha e te pede e te implora. Um pouco do seu dinheiro, do troco da miséria que te sobra. No bolso perdido, escondido, jogue. Na minha cara, em mim, por favor, por compaixão à minha detestável existência de podridão. Sujeito a tudo, aos humores, ao tempo, à morte. Da esperança, espero, uma moeda, por favor. Limpo seu chão, lavo, lambo limo. Pode até olhar pro lado, desviar o nariz pois fedo, fedo, fedo um horror, não me importo. Cague, eu limpo, espero, denovo, fede, mais uma vez, eu limpo. Pode gritar comigo, sou merda, mande-me trabalhar, vagabundo, marmanjo, mas jogue. Jogue uma moeda, pode ser com força. Em mim, na minha cara, veja, não há dentes. São restos do resto que resto. Diga que sou o que faço de mim, concordo, abaixo a cabeça, eu me humilho. Por um pedaço desse papel do bolso, imito um cachorro, quer ver? agora? Assim, rolando. Só te peço. Juro que não bebo. Aceito tudo. Sou um rato, não me importo. Vivo isso, tenho paz. Jogue uma moeda, por favor, não quero atrapalhar. Se você quer ouvir, sim, tenho família, precisam comer. Leite, ônibus, remédio. A puta que pariu, com todo respeito, senhor. Vá tomar sua cervejinha, você merece, a vida é dura, permanente pau no cu. Sem fugir, é foda, não dá. No sábado, até whisky. Não como eu, vagabundo vadio, cão sarnento, pra lá pra cá. Só pedir, deitar, rolar, lamber a mão. Tá lá, din-din, fácil. Vida fácil. Juro que não bebo. É mole, facinho. Um pão, é ali na padaria, margarina. Joga aqui, não precisa encostar. Na minha boca, aqui, joga, está aberta. Vê? Não tem dentes. Juro que não bebo.

8 comentários:

  1. Tive uma vontade imensa de comentar...
    Mas não consigo...

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  2. nossa elton, fui lendo e lembrando de quantos já me pediram umas moedas, falando que vão comer e não ir beber...

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  3. Cara, tu tá escrevendo bem demais.
    Você já ouviu falar de um escritor chamado Nuno Ramos? Vc tem algo que lembra ele. Recomendo para passar o tempo.
    Um forte abraço.
    Alberto.

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  4. Li. Fiquei com um nózinho na garganta.

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  5. Gosto daqueles clássicos: "é vagabundo! tá assim porque não trabalha, vai torrar tudo em cachaça". E por aí vai. Quando me pedem dinheiro e eu dou, não me interessa o fim. Dou ou não e ponto. Se for pra beber, cheirar na intenção de amenizar as dores da vida, acho tão válido quanto comer um prato de comida. Afinal, que problema há? Pior ainda, acham feio gente que pede dinheiro, mas dão para os flanelinhas. Ah, os primeiros não arranham carros. Ameaça ao patrimônio = perigoso = dar dinheiro. Bêbado vagabundo = inofensivo = vai trabalhar seu cacacheiro.

    Simples assim

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  6. Vou pensar duas vezes antes de sacudir uma moeda....

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  7. Putz! O menino que eu vi nascer os dentes está escrevendo como ninguém. Cara vc é bom demais, continue.

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