Que surpresa boa saber que tanta gente leu e gostou do último post. Levo todos com muita estima. Como eu disse a uma pessoa que comentou ter lido o texto sobre o domingo, acho que se eu sobreviver à minha própria vida, lá no finzinho, no crepúsculo da existência, quando a luz da consciência se transformar num lusco-fusco efêmero, triste e lindo, vou me desfazer em memórias. Pois se aos vinte e quatro já as tenho com tanto apreço, que dirá aos oitenta (e que os deuses me permitam tal graça!). Entretanto fiquei um pouco preocupado.
É quente o sangue que oxigena este cérebro e estas mãos que lhes escrevem. Carrego ainda o ímpeto da juventude - que alguns carregam para sempre. Minha urgência de escrever nem sempre é de contemplação. Às vezes, preciso mesmo transcrever um sentimento colérico. Mas claro, nada é a toa. Acredito muito que uma certa raiva, uma revolta, são sentimentos de quem ama. É um estilo de amor, certo, tipico daqueles que, como eu, têm no coração um pulsar quente e violento. Amor que não é melhor nem pior que outros amores, é apenas o único jeito de amar a estes possível. Talvez um pouco trágico, encampo cruzadas contra os problemas mais insignificantes - talvez os elevo, assim, quase à categoria de males da humanidade. Mas isso é tão somente porque eu amo, e não falo só de mim, mas a partir de mim, dos milhões como eu. Discuto bem mais do que eu gostaria com a minha companheira, mas isso é apenas porque a amo absurdamente. E ela sabe que se um dia eu me calar, será o fatídico sinal de que meu amor virou brasa, ou pior, fez-se já em cinzas.
Mas por que este confessional e confuso prólogo? Com sinceridade, não há um porque. Apenas lembrei disso pois na segunda metade da semana passada nós todos começamos a ser bombardeados pela televisão com notícias sobre uma tal gripe suína. Logo no primeiro dia já pensei, pronto, após ter morrido de aids, ebola, gripe aviária, bactéria legal, protozoário assassino, terei a honra de morrer de gripe suína. Com a dignidade, aliás, de quem uma vez desencarnado, percorrerá os mundos em seu galante traje de espírito de porco. É brincadeira... Nossa sociedade tem um imenso sentimento de culpa por existir. Desde os mais remotos tempos olhamos para o céu nos perguntando quando a brincadeiria iria acabar, quando Ele, o dono da bola, viria tomá-la de volta. Inventamos fins do mundo que, ao não se realizarem, se renovam na expectativa de novos fins do mundo. Viver é bom demais para ser verdade e seremos castigados. A mídia sabe disso. E sabe mais, que além dessa paranóia apocaliptica, temos historicamente fatos preocupantes, como a peste negra que dizimou 1/3 da população européia ou a gripe espanhola que vitimou 60 milhões de pessoas. Isso torna o medo a mercadoria mais vendida no mundo. Para além da já conhecida "teologia do cagaço" que manteve a igreja católica medieval em pé, a indústria do medo vende muitos remédios e muito, muito jornal. E foi isso que fizeram. O curto verão da gripe suína, aka H1N1, aka influenza a, durou uma semana. Hoje já suspeitam o que sempre souberam, que a terrível, letal, mortal, cruel, devastadora, genocida e apocalíptica gripe não passa de uma... gripe. Uma gripe mais forte, é verdade, mas uma gripe. E com que sarro vi matérias e matérias nos jornais sobre como 'identificar sintomas da gripe suína'. Dor de cabeça, febre, dor nos músculos, articulações... Será possível que acompanhando o homem desde seu surgimento ainda não sabemos identificar os sintomas de uma gripe?! Dir-se-á que, ora, uma gripe foi a gripe espanhola e fez o estrago que fez. Pois bem, em 1918 morria-se de apendicite (e as cirurgias eram feitas sem anestesia, com éter!). Além do mais, algo que em incomoda muito é o fato de saber que morre-se muito ainda hoje de doenças completamente sem graça. Não vendem mais jornal. São as feias e bobas cólera, malária, febre amarela... e a fome. Ah, se a inanição fosse contagiosa... Enfim, agora já começo a chover no molhado. As notícias são cada vez menores e mais raras. A maior vítima disso tudo até agora foi a liberdade. Pois muito obedientemente fechou-se um hotel, um país, uma planeta. Nos mais remotos lugares, pessoas pacificamente aceitaram o medo e medidas cautelares. O abraço foi proibido. Daqui a amanhã, numa nova devastadora epidemia de uma semana, talvez proibam o sorriso. Por fim, um dia chegará em que provarão os malefícios clínicos de se pensar.
Já falei, isso tudo me lembra a "cegueira branca", do Saramago. Mas seria literatura e poesia, se não fosse real! É triste perceber alguns olhando com suspeita [às vezes até eu mesma] uma pessoa que espirra dentro do ônibus. Que medo estúpido é esse? beijos, Sarinha.
ResponderExcluirMuito bom meu amigo.
ResponderExcluirDias difíceis... Parece que ninguém se lembra de "tentar ser humano".
ps: Não esquecemos da vista não, mas parece muitas vezes que a vida é uma roda, com uma "engrenagem" que nos esmaga.
Um forte abraço.
A mídia como sempre desempenhando seu papel, a Roche e a Glaxo que estão rindo de orelha a orelha. Piadas de mal gosto fazem rir. E a da apocalíptica gripe é moralmente permitida e contada pelos chefes de Estado mundo a fora.
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