Manhã de domingo tem cheiro de banana frita, sair de pijamas do quarto, olho em remela, ir para a sala e receber bom dia. Era meu vô (desculpem, nunca tive avô, apenas um bom e velho vô) quem fazia, um de seus bem poucos dotes culinários - mas tinha que ser domingo. Comia no mesmo pratinho velho de plástico de sabe-se lá quantos anos e cujas bordas sabe-se lá há quantos anos eu gostava de mordiscar. Banana caturra, adorava bem fritinha, quase queimada, já com aquele leve amargor nas extremidades e com muito açúcar e canela. Comia com felicidade. Ao fim, o fundo do prato estava besuntado numa gordura doce mas já não tão apetitosa. As manhãs de domingo também soavam a globo rural, quando a arroba era apenas uma unidade de medida de peso e as maiores mazelas do mundo, pulgões, vassouras-de-bruxa, ferrugem e outras pragas agrícolas (durante a semana era o Esqueleto). Coisas que não faziam parte do meu mundo senão como o meu mundo das manhãs de domingo. Ainda não tomava nem café com leite - demorei pra entender o sabor forte do café - mas nunca cansei de admirar o vô tomando seu café-com-leite caiçara, ou seja, café preto com farinha de mandioca. Sempre me oferecia, rindo, troçando do meu asco infantil - talvez lembrando, talvez ignorando, ter aprendido a tomar o café assim também na infância, quando o leite raramente dava o ar da graça. Avançando a manhã, o cheiro do domingo era do jornal, volumoso, de páginas enormes e cuja tinta grudava até nos olhos na mais ligeira lida. Nunca gostei das páginas de jornal, inclusive porque eram grandes demais pra eu conseguir dobrá-las (não consigo me lembrar porque motivos eu as desdobrava, mas com certeza era a curiosidade de saber que diabo diziam aquelas minúsculas letrinhas) e acabava que eu as deixava jogadas ou dobradas muito porcamente, o que sempre me rendia alguma reprimenda. É incrível dizer isso, mas manhã de domingo também tem o cheiro da cabeça do vô, que sempre muito voluntariamente sentava-se ao sofá e servia-me seu ralo cabelo como diversão. Fazia penteados, sendo o moicano o meu preferido, assim como o "bozo". Mas o que gostava mesmo era de puxar seus cabelos com força. Ele não sentia dor no couro cabeludo, aliás, não sentia nada, nem dor nem calor nem frio. Eu podia puxar com força, mas que tomasse cuidado pra não descolar seu couro cabeludo, dizia. Nunca acreditei nisso. Pra mim ele apenas gostava de ter seu neto sob a sua cacunda brincando com seu cabelo e suas orelhas (havia me esquecido delas). Logo o vô saía de casa, como aliás fez todos os dias até que um dia foi seu último. Enquanto isso eu brincava com meus bonequinhos, via as séries de domingo na tv, como macguyver ou simpsons (sempre odiei barrados no baile) ou jogava a fita de master system se alguma eu tivesse locado na sexta-feira. Quando o vô voltava, era hora de almoçar e era sempre macarrão. Assim acabavam as manhãs de domingo, que são vivas nas minhas lembranças e que me dão esperança e desejo de voltar a tê-las com tanta serenidade e poesia em tanta simplicidade. Talvez seja impossível fora da infância, mas quem sabe, ao menos se um dia tiver um neto as minhas costas e se ainda houver bananas caturras a fritar...
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Há 8 anos